Dark Pools

– Leonardo?
– Ca foi?
– Podes explicar-me melhor o que é um Dark Pool?
– Não.
– Mas é um pedido de Maria.
– Ah, então tá bom. Basicamente, as Dark Pools são plataformas financeiras nas quais os títulos são contratados de forma anónima.
– Só isso?
– E achas pouco? Cada dia passam pelas Dark Pools algo como 15.000 biliões de Euros, tudo estritamente fora das normativas internacionais acerca da transparência. No ano 2010, o valor total das transacções foi 500 mil milhares de Euros e desde então aumentou de forma constante.
– Ó Leo, mas isso é como se fosse uma grande Bolsa de Valores.
– Tecnicamente são definidas como Multilateral Trading Facility (MTF, Sistema de Negociação Multilateral), e nelas podem ser trocados títulos, obrigações, dinheiro. Portanto as Dark Pool são como as Bolsas de Valores, só que têm algumas regras particulares:
1. a entrada destina-se apenas aos investidores institucionais (fundos especulativos, fundos do mercado monetário, fundos de pensão, bancos de investimento)
2. os requisitos de transparência das operações são muito menores do que as operações normais, por vezes não existem mesmo.

– Ehi, isso significa que eu não poderia entrar numa Dark Pool?
– Tu? Imagina…nada, não é coisa para os pequenos ou médios investidores.
– Mas quantas Dark Pools há?
– Uhi, muitas. A maior na Europa é a Chi-X, com sede em Londres: mais de 6,35 milhões de transações por ano e volumes negociados de 54 mil milhões de Euros em 2010. A segunda mais importante, sempre no Velho Continente, é a Turquoise, nascida com um acordo entre BNP Paribas, Citi, Credit Suisse, Deutsche Bank, Goldman Sachs, Merrill Lynch, Morgan Stanley, Société Générale e UBS. No ano passado, a Turquoise tem registado mais de três milhões de transacções, um total de mais de 20 mil biliões de Euros.
– Então é um fenómeno europeu.
– Nada disso: nos Estados Unidos a maior é Sigma X, da Goldman Sachs. É capaz de gerir cerca de 300 mil negócios por dia e tem um volume mensal de 203 mil milhões de Dólares. Depois há as plataformas geridas pelos vários bancos, como Bank of New York Mellon, Barclays, BNP Paribas, Citigroup, Credit Suisse, Knight, Nomura, UBS: todas operam nos Estados Unidos também, mas neste caso não é possível quantificar com precisão o valor de cada Dark Pool, uma vez que os bancos preferem não partilhar estes dados.
– Pois, os bancos privados…
– E não só: entre os fornecedores de “liquidez obscura” encontramos NYSE Euronext, empresa controladora do New York Stock Exchange e do mercado europeu Euronext.
– Nem um escapa!
– Nem um dos grandes. Aliás, alguns dos grandes, os maiores, criaram verdadeiros consórcios de Dark Pools. Nascidos com acordos entre bancos e Bolsas, são sistemas fechados: apenas alguns investidores  podem operar neles. BIDS Trading, por exemplo, foi fundada pelos maiores bancos do mundo e teve 40 mil biliões de Euros de negociados em 2010. Mas não podemos esquecer ATS Level ou Liquidnet.
– Assim, Europa, Estados Unidos…outros Países?
– Sim, todos. Pegamos na Dark Pool Chi-X por exemplo. Tem entre os accionistas Bank of America, Getco, Goldman Sachs, Morgan Stanley, UBS e Quantlab Financial. Opera na Austrália, Canada, Japão, Estados Unidos, Europa e no Brasil, onde trabalha em conjunto com a BM&FBOVESPA S.A..
– Mas a Bovespa é a Bolsa oficial do Brasil…
– Exacto.
– Espera, Leo, espera um segundo… Getco, Goldman Sachs, Morgan Stanley, UBS: mas estes são também accionistas do NYSE Euronext, que indicaste como fornecedora de liquidez “escura”!
– Com certeza. E quem é NYSE Euronext? É o grupo formado pela fusão de NYSE Group com Euronext N.V., a sociedade que controla as Bolsas de Paris, Amesterdão, Bruxelas, Lisboa e o britânico LIFFE.
– Estão todos interligados…
– Podes crer.
– Tá bom, mas afinal qual a verdadeira vantagem de operar com as Dark Pools?
– Como tinha dito, há o interesse de poder trabalhar com a cobertura do anonimato. Alguns sujeitos têm interesse nisso, não querem que o mercado conheça tudo acerca das operações deles. Mas nem este é a principal vantagem?
– Não?
– Não. A vantagem maior fica no facto destes operadores “dark” minimizarem o market impact.
– Eh?
– É isso: cada vez que um sujeito executar uma ordem de venda ou de aquisição superior à media do mercado, “mexe” no preço e acaba de perder com isso.
– Como assim?
– Vou fazer um exemplo, concentra-te.
– Estou concentrado.
– Tu queres vender 1.000.000 de acções da empresa “Boa Comida para Cães”, ao preço de 10.00 Euros por cada acção. Eu também quero vender, então que faço? Fixo um preço de 9.99 Euros por acção e consigo mais compradores. Isso, claro, é só uma exemplo banal para ter uma ideia do que pode ser o market impact. Mas é uma questão extremamente importante, pois estão envolvidos montantes muito elevados e os investidores tentam sempre reduzir ao máximo o market impact. Um participante no mercado “normal” que deseje limitar o seu impacto no mercado deve reduzir a velocidade das suas actividades, para evitar qualquer market impact sobre os preços de mercado.
Tudo isso não acontece nas Dark Pools, pois são plataformas não transparentes e ninguém sabe quanto é comprado ou vendido e por quem. De facto, o risco market impact é eliminado.
– E fica para os investidores do mercado “normal”.
– Claro.
– Mas ninguém controla ou tenta pôr um pouco de ordem nisso?
– Oficialmente sim. Depois de ter surgido a questão da Grécia, a Comissão Europeia tinha chamado a atenção de Bruxelas acerca do assunto. No dia 16 de Novembro de 2010, o Parlamento europeu apresentou uma proposta de regulamentação do sector.
– Ah, algo se mexe…E depois?
– No dia 8 de Dezembro, a International Swap and Derivatives Association (Isda, um lobby do sector) pediu uma revisão da proposta, pois não concordava com as restrições.
– E depois?
– Depois nada: há uma proposta, há um pedido de revisão, que queres mais?
– Mas como assim? Não há leis, regras?
– Não. E sobram muitos problemas. Se o preço duma acção é mantido escondido, qual será o preço correcto daquela acção?
– Boh?
– Mas como “boh”? Será o preço do mercado “oficial”, não é?
– Ah, tens razão.
– Mas aqui surge um problema: dado que muitas acções duma mesma empresa podem ser vendidas e adquiridas em secreto, em operações das quais nada se sabe, qual o sentido do preço no mercado “oficial”? Não se sabe qual o verdadeiro valor duma acção que, por absurdo, pode ser vendida, e bem, numa Dark Pool e ficar não vendida no mercado oficial.
– Pois, o mercado oficial fica “desvalorizado”…
– Exacto. A seguir: é possível que numa Dark Pool os vários membros possam cooperar para prejudicar quem participa no mercado oficial?
– É possível?
– Claro que é: não há controles.
– Mais: é possível influenciar os valores das acções e até os resultados da Bolsa com uma cooperação deste tipo?
– É possível?
– Max, são perguntas retóricas.
– Ah, então significa que é possível…
– Óbvio. As Dark Pools são um sintoma: as Bolsas tornam-se cada vez mais lugares onde podem participar poucos elementos, os espaços para os pequenos e médios investidores estão a reduzir-se. Alguns, os que dispõem de mais meios, podem utilizar instrumentos sofisticados, tecnologias inacessíveis por parte de outros, pois o discurso das Dark Pools estão ligado ao High Frequency Trading, compra-vendas de acções executadas por softwares em tempos rapidíssimos, muito além das capacidades humanas. Agora posso voltar a ver a televisão?
– Outra vez?
– Sim, vou ver uma gravação de Rin Tin Tin. Passa-me o comando.
– Espera, deixo aqui um link para os Leitores: High Frequency Trading…ehi, mas eu queria ver Top Gear!
– Cala-te ou te mordo um calcanhar.

 

Ipse dixit.

4 Replies to “Dark Pools”

  1. Muito obrigada Leo, pela explicação. Entendi! Entendi como nos EUA, os pequenos investidores, que tinham suas contas em poupanças que nada rendiam,estão usando as reservas de vidas inteiras, aplicando na Bolsa oficial…e perdendo. Entendi porque se estimula a população a virar "aplicador em ações". Simplesmente porque os ganhos reais e vultuosos foram transferidos para outro tipo de empreendimento financeiro, sem as "dificuldades" manifestas com a experiência das Bolsas, como certa transparência, nem que fosse para os iniciados. Entendi também como no reino dos poderosos não existe país, existem manipulações financeiras vantajosas…bueno, isso eu já sabia, pois. Só creio que o desenho da piscina não deveria ser o de um ralo por onde o dinheiro desaparece, e sim,um entupimento, por onde ele brota.Ou então o Leo foi mais "para o fundo" (outro dia ele estava fazendo buraco na água), e quis representar os supostos valores, que não existem, somem ralo abaixo, restando apenas a representação do poder dos poderosos. Porque, pensem bem: não fora a estupidez humana generalizada,quanto mais poderoso é um acionista, menos condições ele tem de suprir as suas necessidades, se lhe for desmanchadas as máquinas de ludibriar as quais está viceralmente ligado. Abraços

  2. A malandragem está lá toda. Não falta mesmo ninguem.

    O lado triste é que anda a rapaziada toda, de manifestação em manifestação, com os bolsos rotos por causa das moedas e das chaves, que notas são cada vez mais um luxo, e andam estes 'investidores' na estratosfera financeira a divertirem-se com o nosso dinheiro.

    E ainda por cima temos que aturar uns intlectuais na TV a dizerem que a culpa é do Socrates, ou que andamos a viver acima das nossas possibilidades ou então, a nova coqueluche dos 'criticos', que é o Tribunal Constitucional.

    Krowler

  3. Os cidadãos devem manifestar-se reivindicando o 'equilibrar da coisa'!
    [leia-se, diminuir os impostos sobre os trabalhadores por conta de outrem, e aumentar os impostos sobre as actividades financeiras]
    .
    -> De facto:
    Não é só taxar os consumidores… há que 'EQUILIBRAR A COISA'.
    .
    -> Taxar os investidores… vai prejudicar o crescimento da economia…
    -> Taxar os consumidores (em particular, os trabalhadores por conta de outrem)… vai provocar uma diminuição no consumo… logo também… vai prejudicar o crescimento da economia…
    .
    -> Face à existência duma dívida para pagar… deve-se 'EQUILIBRAR A COISA':
    – taxar consumidores…
    – e também taxar investidores: um exemplo, uma taxa sobre transacções financeiras em bolsa (vulgo Taxa Tobin).
    .
    .
    P.S.
    -> Sobre a dívida pública há que dizer o seguinte: fomos OTARIOS!!!
    —> De facto, em vez de (quando os aumentos vinham) andarmos a varrer para debaixo do tapete o facto da entidade pagadora – leia-se Estado – estar em deficit e ter necessidade de pedir dinheiro emprestado a (perigosos) especuladores, e necessidade de vender activos… devíamos, isso sim… ter percebido, e reivindicado, o facto de que os políticos tinham de PASSAR A SER MUITO MAIS CONTROLADOS!
    —> Ora, com a nacionalização de negócios 'maddofianos', as privatizações de empresas estratégicas (e que dão lucro!) para a soberania, as PPP's, etc… deveria saltar à vista que… os políticos tinham de passar a ser muito controlados por quem paga (vulgo contribuinte)!
    .
    P.S.2.
    Uma sugestão: Islândia – a revolução censurada pelos Media, mas vitoriosa!
    {Obs: consultar o know-how islandês poderá ser muito útil}

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