O crescimento chinês

Gostem ou não, alguma coisa terá que mudar.
Onde? Em muitos lugares.

Estados Unidos, Reino Unido e Japão conseguem não afundar somente com deficit públicos de 9% do Produto Interno Bruto. O que, dito de forma mais simples: o Estado paga 9 pontos percentuais mais daquilo que consegue obter com a economia. É muito?  Depende.

Se for uma medida temporária, que tem como objectivo financiar um projecto de investimento por exemplo, a resposta é não: um Estado dono da própria moeda consegue fazer isso sem muitos problemas (como sempre: é só ligar a impressora e imprimir as notas). Mas se for uma medida estrutural, mirada apenas a pagar as enormes dívidas acumuladas e não para gerar riqueza (ou seja: mera sobrevivência), então a questão muda.

É depois importante notar, como muitos Leitores já terão assimilado com o passar do tempo (e a muita paciência necessária para ler este blog), a forma como estas dívidas forem pagas: mesmo ontem falámos do dinheiro da Federal Reserve que não consegue atingir a economia real, desaparecendo nos riachos escondido dos bancos privados.
De facto, no actual esquema, muita da dívida é paga contraindo nova dívida, isso é, pedindo novo dinheiro nos mercados. Os juros crescem e a dívida nunca chega a ser totalmente paga.
É um velho esquema que já entendemos.

A França tem um 6% real do PIB, muito acima dos limites impostos pelas Mentes Pensantes e criminais de Bruxelas (e para Portugal querem 2,5%!).

Como sempre, há um vírus que provoca a paralisia do cérebro: aparece o termo “Dívida Pública”? É o pânico. E se além de Dívida Pública for citada também “Moeda”, então do pânico passa-se directamente para o coma. É o sucesso em primeiro lugar das Mentes Pensantes e criminais, não apenas europeias, que conseguiram criar o novo Bicho Papão do imaginário colectivo.

Breve parênteses.
Continuo a pensar que não exista possibilidade para os Países da Europa Meridional de ficar na mesma área monetária da Alemanha, por exemplo. E acho cada vez mais provável um crack financeiro. Que, como Mãe História ensina, é ruim para alguns mas bom, muito bom para outros.
Grécia, Portugal, Espanha e Italia não conseguem suportar a mesma moeda da Áustria, da Finlândia, da Holanda. É só uma questão de tempo.
Fim da breve parênteses.

No meio desta questão toda, há uma economia diferente, por assim dizer: a China.
Já falámos do gigante asiático várias vezes, não é possível ignorar tamanha realidade. E, inclusive, falámos em termos bastante duvidosos: conseguirá Pequim a ultrapassar os sinais negativos que aparecem não apenas no horizonte?

Em primeiro lugar: a economia da China é “diferente” apenas por assim dizer. Na verdade em Pequim não inventaram nada de novo: têm centenas de milhões de trabalhadores que trabalham em troca de migalhas ao serviço duma economia privada que pode actuar nos rígidos moldes indicados pelo governo central. Uma espécie de “Capitalismo de Estado” com uma nova verniz, mais user friendly.

Chega isso para ultrapassar as dificuldades presentes no mercado internacional?
Até aqui sim, sem dúvida. Os preços (e não só) propostos pela empresas chinesas estão fora do alcance das empresas oriundas de outros continentes. Até chegam a pôr em dificuldades os vizinhos japoneses, gente que não está habituada a descansar à sombra da bananeira.

Mas o futuro?
O futuro começa hoje.

As previsões

Hoje as autoridades estão “curtas” de dinheiro, de
dinheiro fácil. As receitas fiscais das 300 cidades mais populosas caíram 38% em relação ao ano passado. A receita fiscal do
governo central cresceu 8%, mas os gastos aumentaram 37%. Os bons
velhos tempos de quando os cofres do Estado estavam cheios de dinheiro parecem pertencer ao passado.

A China atingiu na política de investimento o recorde mundial de 49% do PIB. Significa isso que quase metade de toda a riqueza produzida no País é utilizada para novos investimentos.
Investir é sempre bom, mas será que existem limites? A China parece intencionada a descobrir isso.

Alguns especialistas, como Mark Williams da Capital Economics, afirmam que as expectativas de maiores
receitas fiscais são apenas uma miragem. Os novos projectos ferroviários e rodoviários já estão em curso, mas os custos foram
distribuídos ao longo de vários anos:

Não conseguimos ver nenhum sinal
de um novo impulso. O facto de que os projectos tenham sido aprovados só é
interessante porque o governo optou por apresentá-los à imprensa.

Um
recente relatório do preço da PricewaterhouseCoopers intitulado A Homecoming for US
Manufacturing
(A produção dos EUA volta para
casa) afirma que é agora mais barato para inteiros sectores industriais dos Estados Unidos começar a produzir em
casa, perto do seu mercado. As empresas são “re-shore“, para usar o
termo em uso, estão a regressar para reduzir os custos de transporte, dos inventário e para explorar as vantagens do gás de xisto de custo
baixo. Um Dólar fraco, favorável às empresas em termos de exportação, poderia ser a cereja no topo do bolo.

Google está a construir o seu Nexus Q Music e o seu leitor de vídeo nos EUA, General Electric e Ford estão a construir empresas em território nacional. Também a Caterpillar faz o mesmo, uma vez que a sua principal concorrente chinesa, a Sany Heavy Industries, está em apuros: acabou de pedir aos credores para “esquecer” 510 milhões Dólares com um acordo financeiro.

Foi também apresentado um novo relatório na semana passada: The End of Growth Easy, (O Fim do Crescimento Fácil), segundo o qual a margem de lucro das maiores empresas na China está a diminuir desde 2009. Havia atingido 11% no ano passado, pouco em comparação com 18% das melhores alturas.

O Banco Mundial, no início deste ano, apresentou comentários no mesmo teor num relatório conjunto com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Pequim: afirma que o modelo de crescimento, baseado nas exportações e iniciado por Deng Xiaoping mais de trinta anos atrás, está agora obsoleto:

A inovação e a expansão da tecnologia é bastante diferente de uma inovação que pode ser alcançada com o uso da tecnologia. Não é algo que possa ser alcançado por um planeamento do governo.

No World Economic Forum de Tianjin, na semana passada, um dos economistas presentes alertava:

Acredito que a China vai viver uma recessão econômica muito séria e acho que esta já começou. O governo está agora a tentar estabilizar a economia, mas as ferramentas à disposição são muito limitadas. Se não for possível mudar as coisas, espero uma enorme e generalizada agitação social.

É este o futuro imediato da China?
Não é fácil responder.

O futuro e a cola

Em primeiro lugar é necessário realçar que estas opiniões não são propriamente imparciais. Banco Mundial oe World Economic Forum não podem ficar acima de qualquer suspeita, enquanto a PricewaterhouseCoopers, só para fazer um exemplo, é parte da IBM.

Comentários cheios de wishfull thinking (ou, como diziam os Romanos: putant quod cupiunt), pensa-se só o que se deseja pensar)? Pode ser. Aliás, é muito provável.

Mas além disso há outros factores que têm de ser considerados.
A China encontra-se numa forte fase de urbanização, com consequentes recaídas prática e psicológicas acerca do estilo dos consumos. Não é verosímil ver os Chineses como um eterno exercito de formigas patrióticas.

E os Países em desenvolvimento estão a percorrer da forma muito rápida uma estrada já percorrida por outros (como a Europa, por exemplo): é uma estrada que leva inevitavelmente ao fim gradual das perspectivas de expansão. A saturação, cedo ou tarde, chega, é uma questão de física, nem de economia.

O sistema económico chinês é um Capitalismo de Estado, como afirmado, com roupa nova, no qual o Estado controla integralmente as infraestruturas, a moeda, uma parte consistente da produção e dita as regras do comercio. E, como aconteceu (e acontece) nos Estados Unidos e na Europa, as hierarquias chinesas terão que responder da enorme quantia de Dólares acumulados e que valem cada vez menos.
Há depois as palavras do líder Hu Jintao, de um ano atrás, o qual afirmou que se a economia chinesa tivesse que descer abaixo do 8% de crescimento anual, isso significaria uma crise social.

É uma afirmação importante, que permite perceber melhor a realidade duma imenso País no qual uma sociedade maioritariamente agrícola em poucas décadas foi literalmente atirada numa dimensão industrial, com custos sociais enormes (faz lembrar o Reino Unido do início do séc. XIX).. 

O enorme crescimento foi baseado numa exploração que não anda muito longe da escravidão, onde apenas uma restrita faixa da população consegui entrar na posse da quase totalidade da riqueza, enquanto os trabalhadores vive em condições más e recebe pouco; e a classe média é na realidade constituída apenas pelos quadros das maiores empresas.

Numa situação como esta, o crescimento torna-se vital, pois funciona como uma “cola” que consegue justificar o estado das coisas e manter calma e bem direccionada a situação.
Mas se o crescimento abrandar? Se as perspectivas de melhorar a própria condição forem reduzidas ou desaparecerem? Se o pequeno aumento do próprio miserável salário não chegasse?

É esta a grande dúvida. Os Chineses são pessoas esquisitas: não se integram, excepcionalmente ligados aos próprios hábitos, não ficam sepultados no Ocidente, trabalham mais de 24 horas por dia, não conhecem descanso. Por isso não é simples falar deles, o risco de errar por causa dum inapropriado ponto de vista é sempre presente.

Mas é humanamente difícil que a China consiga manter estes ritmos sem as esperadas alterações.
Alterações devidamente planeadas ou surgidas de forma espontâneas e explosiva?
É isso que iremos ver num futuro não muito longínquo: há sinais, não apenas no horizonte.

Ipse dixit.

Fontes: The Telegraph

8 Replies to “O crescimento chinês”

  1. Eu não percebo muito disto por isso a minha pergunta é um pouco ignorante.

    Primeiro: Um dos problemas é o dólar estar a perder valor? Mas o Yuan (moeda da China) continua a ser muito fraco.

    Segundo: Como é que a China acumula dolares se nao e a moeda deles? Eles não fazem a conversao?

    Se puder alguem que me explique.

    Abraço
    John

  2. Olá John,

    Vou tentar responder à pergunta: 'Como é que a China acumula dolars se nao é a moeda deles? Eles não fazem a conversao?'

    A China é um país essencialmente exportador sendo a sua balança de transações comerciais claramente positiva. Ou seja, vende muito mais do que importa.

    Uma vez que o pagamento dos produtos oriundos da China é feito na sua grande maioria em dolars, isto origina uma grande acumulação desta moeda. Para eles é um grande problema porque de certo modo estão a ajudar manter de pé a economia dos EUA em troca de papel mantido de pé artificialmente.

    É sabido o estado miserável em que a economia americana se encontra, continuando no entanto o dolar a manter-se como a principal 'divisa de refugio mundial'.
    Isto foi tratado recentemente aqui no II.
    Pode-se dizer que o dolar é mantido de pé por força das transações de petróleo serem feitas nesta moeda, pelo aparato militar americano e pela cumplicidade dos seus aliados e tambem de todos aqueles que têm em posse esta moeda, e cuja desvalorização acarrateria perdas gingantescas.

    Por isso, os chineses nos ultimos tempos aceleraram o processo de 'reciclagem' dos dolars que têm em sua posse, ou seja: Devolvê-los à origem ou troca-los por valor real na economia mundial.

    Para isso despacham os dolars através de vários mecanismos:

    – Compra de empresas estrangeiras, como é o caso da EDP portuguesa. Nos EUA não podem comprar empresas estratégicas. Estão impedidos por uma lei protecionista.
    – Criação de uma rede global de comercio directo ( lojas de chineses) em que exportam directamente para o consumidor final. A rede comercial de lojas prmite-lhes alimentar o ciclo de influxo de moeda bem como diversificar a sua carteira de reserva de divisas.
    – Investimentos em infra-estruturas principalmente nos países emergentes.
    – Aumento artificial do seu PIB através da construção em massa de mega-cidades que estão às moscas, bem como em infra-estruturas.

    Quanto ao facto do Yuan ser fraco, é uma conveniência dos chineses pelo facto de serem mais exportadores que importadores.

    abraço
    Krowler

  3. Este post é muito interessante uma vez que a China como modelo económico tem características unicas.

    Quero realçar a frase:
    'E os Países em desenvolvimento estão a percorrer da forma muito rápida uma estrada já percorrida por outros (como a Europa, por exemplo): é uma estrada que leva inevitavelmente ao fim gradual das perspectivas de expansão. A saturação, cedo ou tarde, chega, é uma questão de física, nem de economia.'

    Esta frase é lapidar e uma sentença negra para a economia global. Tambem sou da opinião que é uma questão de fisica.

    Os politicos gostam muito de falar de 'crescimento sustentável'.
    É como uma bandeira que todos acenam o mais alto que podem. No entanto ela encerra dois conceitos antagónicos: crescimento e sustentabilidade.

    É impossivel ter um crescimento eterno neste mundo finito e cada vez mais apertado. Por outro lado uma vida sustentável implica necessáriamente decrescimento. A redução constante de recursos disponiveis que o digam.
    O unico problema é que o decrescimento é incompatível com o modelo de economia de mercado e sistema financeiro capitalista.

    Restarão os recursos renováveis para nos aguentarmos.

    abraço
    Krowler

  4. Hoje estou com tempo, por isso o II paga as favas e leva com uma catrefada de post meus.

    da Wikipedia:

    'Decrescimento é um conceito econômico, mas também político, cunhado na década de 1970, parcialmente baseado nas teses do economista romeno e criador da bioeconomia, Nicholas Georgescu-Roegen as quais foram publicadas em seu livro The Entropy Law and the Economic Process (1971).

    A tese do decrescimento baseia-se na hipótese de que o crescimento econômico – entendido como aumento constante do Produto Interno Bruto (PIB) – não é sustentável pelo ecossistema global. Esta idéia é oposta ao pensamento econômico dominante, segundo o qual a melhoria do nível de vida seria decorrência do crescimento do PIB e portanto, o aumento do valor da produção deveria ser um objetivo permanente da sociedade.

    A questão principal, segundo os defensores do decrescimento – dos quais Serge Latouche é o mais notório – é que os recursos naturais são limitados e portanto não existe crescimento infinito. A melhoria das condições de vida deve, portanto, ser obtida sem aumento do consumo, mudando-se o paradigma dominante.'

    Sugestão: Max, acho que valia a pena falamos um bocado sobre isto.

    abraço
    Krowler

  5. Muito obrigado Krowler pela explicação, eu pensava que quando havia neghocios entre dois países, EUA e China neste caso, os Estados Unidos pagavam em dólares mas depois a China fazia a conversão e o dinheiro que realmente guardava era o Yuan

    John

  6. Olá Max: "A melhoria das condições de vida deve, portanto, ser obtida sem aumento do consumo, mudando-se o paradigma dominante.'", diz Krowler. E Max diz que uma revolução cultural não é fácil. Também acho que não é fácil, mas seria uma das únicas possibilidades exequíveis de desenvolvimento qualitativo e um certo equilíbrio sustentável entre nações, o que suponho não acontecerá, a não ser em pequenas "ilhas de consciência" no mundo.Abraços

  7. "Hoje estou com tempo, por isso o II paga as favas e leva com uma catrefada de post meus."

    Krowler, esta leitora agradece a catrefada 🙂 e subscreve a sugestão.

    Eu sei Max, isto não é propriamente um programa de discos pedidos, mas agora fiquei interessada no assunto.
    Fica o reforço da sugestão do Krowler.

    "a não ser em pequenas "ilhas de consciência" no mundo"
    Nem mais Maria…

    Abraço
    Rita M.

  8. Max, deixo ficar outra sugestão de um assunto que de vez em quando me faz cócegas no cerebro.

    – Banco de sementes de Svaalbard ( Svaalbard Seed Bank)

    Isto porque, ontem surgiu uma noticia de que ratos que comeram milho transgénico e desenvolveram tumores malignos.

    Considerando que este famoso banco de sementes tem o patrocinio dos Rockfellers, Fundação Bill e Melinda Gates e outros 'suspeitos do costume', e tambem tem caracteristicas que fogem ao modelo comum de um banco de sementes, fica no ar uma dúvida muito grande relativamente a esta infraestrutura.

    Hoje tropeçei na figura da Dr.ª Vandana Shiva que liderou na India um movimento contra a Monsanto na defesa das sementes naturais e livres para todos, e contra os OGM's, obviamente patenteados, logo pagos por todos.

    abraço
    Krowler

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