Ode quase séria do Neolatino

Os Países neolatinos são aqueles onde se falam as línguas neolatinas: Português, Galego-Português, Espanhol, Catalão, Italiano, Romeno e poucas outras.

Característica dos Países neolatinos é aquela de ser habitados por pessoas neolatinas.
Em Portugal vive o Português, que é neolatino. Se em Portugal vivesse um Alemão, o País já não seria neolatino. No máximo seria neoalemão. O que não é bonito.

Por muitos anos o neolatino tem sofrido preconceitos sobre a etnia dele: gozavam com o neolatino, era tratado como ladrão de galinhas, os outros sempre pensavam que o neolatino teria tentado enganá-los.

Em seguida, no entanto, a fraude veio dos activos tóxicos norte-americanos, os subprimes: agora vemos que somos todos iguais, o neolatino tinha alguns complexos, queria ser como os outros, e em vez disso é o mundo que se tornou como o neolatino.

O neolatino pensava estar atrasado, simplesmente estava muito à frente. Dito sem orgulho, Deus me livre: são factos.

Mas na crise o neolatino é mais preparado porque está acostumado às burlas, é darwinianamente mais apto pois está habituado ao ambiente mais hostil.

Os animais que vivem em paraísos tropicais têm tudo, por isso não evoluem. Então, é suficiente uma pequena mudança climática e extinguem-se. Isto enquanto o rato ou a barata quanto mais chafurdarem na lama tanto mais fortes e espertos ficam.

O que isso significa? Significa que estes paraísos de democracias, onde se a casa for assaltada chega a polícia, se ficar grávida dão o subsídio, se entrarmos na reforma devolvem todo o dinheiro pago, nestas democracias o indivíduo enfraquece, é óbvio.

Todos a encher-se a boca com os valores: Ética, Humanidade … mas o verdadeiro valor do neolatino é que ainda está vivo depois de tudo o que lhe aconteceu.

O que salva o neolatino? A desconfiança, especialmente a desconfiança nas instituições.

Se lidarmos com uma pessoa que pensamos ser honesta, estamos expostos a grandes riscos; ao contrário, se fizermos um acordo com uma pessoa da qual desconfiamos, então vamos ser muito mais cuidadosos. Este é o segredo do neolatino.
Assim é e deve ser a relação entre o neolatino e as instituições: o neolatino sabe que o governo quer estragar-lhe a vida, por isso é ainda mais cuidadoso, paradoxalmente participa mais, então há ainda mais democracia; nada a ver com os mitos americanos como aquele do bom Presidente.

Por exemplo, o Primeiro Ministro eleito pelos Portugueses: é uma fraude, mas então porque foi eleito? Pensa o neolatino português que vai resolver os problemas do País? Nem por isso, simplesmente acha que é um malandro, capaz de qualquer coisa, então é melhor tê-lo como amigo do que como inimigo. E a mesma coisa acontece em Espanha ou Itália.

Doutro lado, este sempre foi o segredo da Direita: apresentar uma classe política pior do que os eleitores. Isso cria um consenso, isso cria simpatia. É como nos reality shows: ver as pessoas que são piores do que nós é uma consolação. Provavelmente Passos Coelhos ganharia uma Casa dos Segredos.

A chave é sempre a mesma: a representação em defeito, esta é a verdadeira relação com as instituições, esta é a verdadeira fé.

Um construtor entrega um orçamento e diz que vai reparar a parede num mês: o neolatino já sabe que esse orçamento será dobrado e os meses serão quatro. O neolatino já sabe, coloca isso na conta, não fica pasmado quando a conta dobrar ou quando, depois de quinze minutos de ter pago, a parede vai rachar de novo. Já está tudo orçamentado.

Este é o sistema neolatino. Um círculo vicioso que se torna virtuoso em defeito.

Por isso não é bom preocupar-se muito com a crise.
Com ou sem crise, o neolatino seria “enrolado” na mesma.

Ipse dixit.

14 Replies to “Ode quase séria do Neolatino”

  1. Às vezes acho meio problemático ter que ficar continuamente com o escudo erguido ante qualquer um.
    Mas de qualquer jeito… ça va, c'est la vie…

  2. Pois, daí a impossibilidade de algum dia me sentir na Europa do Norte, onde de facto as pessoas confiam umas nas outras e exigem essa confiança. Porque com este sistema individualista o neolatino vai ficar sempre aquém… O neolatino não permite a bondade, não tolera a tentativa de melhoria, tudo tem que ser routo e porco como ele próprio…

  3. Como um recém chegado aos velho mundo neulatino, posso dizer: VOCÊS NÃO SABEM O QUE É DESCONFIANÇA!!!

    Venho do Brasil… estou agora na Itália (no Piemonte)… lá, era perigoso entrar em um transporte público… aqui se brinca na rua… lá a taxa de homicídios é gigantesca… cá é minúscula… lá estelionatários e falsários são via de regra… cá a excessão…

    Passei muito tempo na centro-europa, porém por questões financeiras e familiares (me tornei cidadão italiano e não belga ou alemão), fiquei por aqui…

    Realmente me apaixonei pela forma em que a vida se desenrola na Bélgica e Suécia (lugares que pude acompanhar por mais tempo)…

    Porém, não posso dizer por toda Itália ou por todos os outros neolatinos (afinal, até aqui se ouve o preconceito contra os Romenos e os italianos do Sul)… porém, vindo do Brasil… aqui é 14242423424141241234 de anos à frente…

    No brasil não existe auto-certificação… no Brasil sua palavra não vale absolutamente… aqui uma marca de bolo que você compra no bar da esquina e cola na sua folha valida um documento qualquer… um funcionário da prefeitura simplesmente assinar uma página, sem precisar vistar todas as outras páginas do contrato é algo válido… você inscreve seu filho na escola apenas declarando de boa fé de que ele fez os anos anteriores, apresentando um documento vindo de outro país em outro indioma… sem precisar provas maiores…

    Enfim…

    Estou satisfeito com a Itália… o meio do caminho entre o lixo (Brasil) e a centro-europa… porém MUUUUUUUUUITO mais parecido com o segundo do que o primeiro…

    PS: não só isso… nossos traços latinos, vivendo no centro-europa, sempre seríamos adorados pelos exemplares fêmeas de lá, porém sempre seríamos tratados como latinos por todos! 🙂

  4. Olá Ricardo: não resisto a comentar contigo!Eu também ficaria muito satisfeita numa casinha no Piemonte, de onde saiu meu avô, para aventurar-se no Brasil, olhando placidamente belos lagos azuis e montanhas brancas, sem sujeira material, "convivencional",ou organizacional, poupando-me das desconfianças, e outras coisas mais. Mas, pensa comigo:a condição dos povos terceiro mundistas não é genética, afinal. É consequência de uma história desgraçada, que nos faz peritos em sobrevivência. Te juro que ninguém é mais avessa do que eu ao escárnio, a sujeira, a debilidade moral que atravessa nossos trópicos, mas jamais adjetivaria o Brasil, ou qualquer outro lugar do mundo explorado como lixo, porque lixo é a arrogância histórica dos exploradores e saqueadores nativos ou estrangeiros que perpetuam as situações que descreves. Talvez daqui a alguns anos eu tenha uma casinha no Piemonte,para mostrar aos mais jovens de Terra Âncora outras geografias, mas não tenho ilusões…Do jeito que vão as coisas, logo logo te surpreenderás com ocorrências italianas muito assemelhadas às brasileiras: furtos, enganos, falcatruas, receios, desconfianças, numa cotidianeidade que, infelizmente, espreitará a miséria. Talvez uma única diferença:os europeus tem estudo,que os terceiro mundistas não tem. Mas nem isso muda grande coisa, quando a necessidade movida pela miséria faz com que a luta pela sobrevivência mostre o lado nada cordial da humanidade.Abraços

  5. Eu concordo e partilho com a opinião do Ricardo.

    Se você quer desconfiança, paranoia, pergigo de assalto, roubo, sequestro 24h por dia, venha para o Brasil!!
    A terra da impunidade e da "malandragem"

  6. Só pra lembrar, existem países muito mais pobres e muito mais explorados que o Brasil, porem nem por isso são mais violentos ou desgraçados.

    Pobreza não significa violência ou malandragem. Essas coisas se aprendem com a cultura. E é exatamente essa cultura do Brasil que o faz desgraçado. O governo e a mídia favorecem os corruptos, a impunidade, as drogas, o sexo, a prostituição, a esperteza, o carnaval, o futebol, pão e circo. A mídia é monopolizada, o governo está ficando monopolizado,estamos quase que totalmente influenciados por uma mesma visão e filosofia/ideologia.

    Precisamos de uma reforma cultural urgentíssima, com uma boa educação em ética, cidadania e moral.

  7. Olá Marcelo:não sei qual a tua experiência pessoal de viver e conviver em lugares muuuuito pobres e desgraçados, mas para mim,a vida me levou a viver por um tempo em Dacca, Blangadesh, para citar o mais desgraçado de todos na época em que por lá estive, final da década de 70, me equilibrando em transporte público fluvial, tipo gôndolas de miseráveis, apinhadas de gente fedida do calor e umidade infernais do delta.Nessa época, uma estrangeira branca, de olhos azuis, em meio ao povo local, era um acontecimento (hoje dizem que até Mc Donalds tem por lá)celebrado calorosamente. No entanto, nem por isso deixaram de me assaltar, e passar a faca nos meus cabelos, que descobri depois, tinha bom valor de revenda. Nem por isso deixaram de tentar me passar para traz, quando negociava o aluguel de um quarto úmido nos arredores, eles sem falar qualquer língua que eu falasse minimamente,eu sem entender qualquer coisa que dissessem.Desde aquele tempo, eu sei que se tivessem a vida da maioria dos canadenses, ou dos franceses, seriam talvez menos sorridentes, mas não me tapeariam, sem mais nem menos. Abraços

  8. Ciao a Maria e a tutti! 🙂

    Pois bem, estou num local muito pequeno do Piemonte… em meio à uma reserva florestal… e acabo de voltar de uma festa local…

    Apesar de ouvir os italianos cantando "AH, SE IO TE PIEGO, AH AH, SE IO TE PIEGO" e mulheres laranjas que se acham bronzeadas, é bem diferente…

    Pessoas, muitas desconhecidas, largam a bolsa na cadeira… a festa terminando não há nenhum prato ou copo descartável jogado no chão… não há piriguetes de 8 anos de idade… e a cidade, com 2000 habitantes, tem um museu e um cinema… além de igrejas de 800 anos de idade! 🙂

    Sei que por aqui estão longe de ser perfeitos… sei que vou me deparar com brasileirisses… mas às vezes e não o tempo todo…

    [ ]s

  9. Olá Ricardo: muitas alegrias te desejo, e a tua família no novo lar!
    Quando falastes nas bolsas largadas nas cadeiras, com despreocupação, lembrei-me imediatamente da minha atitude e de meus alunos, sempre carregando no ombro as bolsas, de um lado para outro, em uma escola libertária (Paideia) em Mérida Espanha, onde aprendíamos os costumes anarquistas de fazer escola. Isso foi na década de 90…de tanto repetirmos esta atitude "preventiva", Pepita( Josefa Luengo), a coordenadora da escola, e até as crianças que observavam, perguntavam porque! Lembro que não foi fácil tentar explicar!! Ciau…saluti!

  10. Fiquei muto satisfeito por verificar que a maria regressou ao blog com os seus comentarios sempre muito interessantes.

    Espero que esta ausencia temporaria nao se tenha devido a qualquer motivo alheio a sua vontade.

    bem-vinda de volta
    Krolwer

  11. Apesar de em muitas ocasiões eu e maria termos opiniões diferentes, gostei de ter visto sua volta aqui pelo ii. Pois mesmo eu pensando diferente e sendo teimoso, sei que tenho muito a aprender com os outros e ainda mais com a maria, que sempre tem coisas interessantes a escrever.
    Enfim, é bom ter ela de volta, assim as discussões ficam mais ricas.

  12. Olá Krowler e demais comentaristas do ii.A resposta é simples: voltei porque gosto de estar aqui com vocês. E,… a essa altura da vida, me dou o direito de fazer o que meu coração indique. Abraços a todos.

  13. Eu li o comentário de um cidadão ai em cima que me deixou meio sem graça, diria até com raiva mesmo, mas cidadão perceba os fatos, a Europa está em crise (fato?), o que você vê nas metropoles européias (imigrantes, miseráveis, drogados, fato?), miscigenação (fato?), outra senhora também falou da terra de seus antepassados, eu diria que foi graças a eles que o Brasil se tornou a grande potencia que é agora, infelizmente nós brasileiros sofremos ainda com baixa auto estima e isso fica eivente nesses comentários enaltecendo os outros.

Obrigado por participar na discussão!

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