O trabalho e a competitividade

Na Europa (como já no passado aconteceu nos Estados Unidos e no futuro acontecerá em outras partes do mundo) circula um dogma: o mundo do trabalho é demasiado regulamentado.

E basta com estes contratos que são verdadeiras armadilhas: os empregadores têm que ser livres, livres de assumir e despedir a segunda das necessidades da empresa. É por isso, é explicado, que falta a competitividade, é por isso, continuam a explicar, que os Países estrangeiros não investem: têm medo das regras demasiado rijas e dos excessivos direitos dos trabalhadores.

Faz sentido. Eu digo que faz todo o sentido.
Pegamos no exemplo dum País que de certeza não brilha em tema de direitos dos trabalhadores: a China. Na China os trabalhadores têm um único direito: trabalhar. O resto é deixado à boa vontade do empregador (isso é, não existe). Resultado? Ninguém consegue competir com a China, os produtos de Pequim invadem o globo.

Mais uma prova neste sentido: um mundo do trabalho demasiado estático e sufocado por regras excessivas corta a competitividade das empresas.

Acaba aqui o post?
Não.

Porque depois vamos ver o Global Competitiveness Index do World Economic Forum de Davos.
O que é isso? Bom, o World Economic Forum (WEF) é a reunião dos maiores gestores políticos, económicos, jornalistas e intelectuais internacionais que discutem das grandes questões do mundo, a máxima expressão da intellighenzia da finança e da empreendedorismo mundial. Mais não há.

O Global Competitiveness Index (GCI) é o relatório que anualmente analisa a competitividade dos Países.

Então vamos ler. Cada País tem uma avaliação e nesta avaliação há uma coluna, denominada The most problematic factors
for doing business
(mais ou menos “Os factores mais problemáticos para fazer negócios”), que indica também aqueles problemas que dificultam o investimento estrangeiro.

Nas avaliações de Suíça, Suécia, Finlândia e Alemanha os maiores obstáculos são aqueles definidos como Restrictive Labour Reulations, isso é um mercado do trabalho com regras demasiado rijas. É a mesma coisa que acabámos de dizer: os direitos dos trabalhadores atropelam as empresas, não há nada a fazer. É preciso um mercado do trabalho flexível: e qual melhor flexibilidade dum trabalhador que pode ser despedido?

Agora vamos ver, só como curiosidade, quais são os Países que o mesmo World Economic Forum julga ser os mais competitivos a nível mundial (isso é, os melhores entre 193 Países):

Primeiro lugar: Suíça
Terceiro lugar: Suécia
Quarto lugar: Finlândia
Sexto lugar: Alemanha

Entre os primeiros seis lugares dos Países mais competitivos do planeta, quatro são ocupados pelos mesmos Países que o WEF julga ser os menos competitivos.
Ops…então a flexibilidade, o excesso de direitos, as regras?

Vamos ver como está Portugal, País que mesmo nos últimos tempos tem facilitado os despedimentos: 46º lugar, atrás da Tunísia (32º), de Chipre (40º), de Porto Rico (41º), das Ilhas Barbados (43º).
Nada mal, nada mal mesmo.

(Só como curiosidade: 48º Italia, 58º Brasil, 117º Cabo Verde, 131º Moçambique, 133º Timor, 138º Angola)

Então podemos fazer um resumo que soa mais ou menos assim: a causa primária da falta de competitividade não é determinada pela rigidez do mercado do trabalho, pois vimos que os Países com as regras mais apertadas são os mesmos que obtêm o melhor desempenho.

A mentira do mercado do trabalho como causa da fraca competitividade esconde as verdadeiras razões desta última e tem como objectivo deflacionar a economia, devastando os salários e, de consequência, o poder de compra dos cidadãos e os consumos.

Quando os Países estiverem de rastos, será mais simples vender as “joias de família” com preços de saldo: serviços públicos, património do Estado e empresas privadas. Aí sim que será possível observar os investidores internacionais (Alemanha in primis) que, como abutres, partilharão os destroços.

Este é o único objectivo das várias “austeridades” e do mantra segundo o qual despedimentos fáceis é sinónimo de competitividade..

Ipse dixit.

Fonte: World Economic Forum (link para descarregar o ficheiro Pdf do Global Competitiveness Index, em inglês)

6 Replies to “O trabalho e a competitividade”

  1. Há uma coisa que eu não percebo. Se os trabalhadores deixam de ter direitos e os salários se contraem, quem é que vai consumir? Mesmo que a produção seja vocacionada para a exportação(outro mantra estúpido), se os salários forem baixos em todo o lado ninguém vai consumir, certo? Também posso estar errado. Se calhar esta treta da exportação tem como objetivo baixar os salários nos países ocidentais e pronto…Às vezes a realidade é tão complexa!!!

  2. Olá Anónimo!

    "Se os trabalhadores deixam de ter direitos e os salários se contraem, quem é que vai consumir?"

    É mesmo este o ponto. Portugal, por exemplo, se encontra numa situação de recessão, coma economia em fortes dificuldades. Segundo as últimas notícias, o governo irá introduzir uma nova taxa para cortar em 50% os subsídios de todos os trabalhadores. É óbvio que uma tal medida irá afundar ainda mais a economia, pois as famílias terão cada vez mais dificuldade com as contas: portanto é uma medida capaz de produzir o efeito contrário ao desejado (e o desejado, lembramos, oficialmente é a retoma económica do País).

    O que leva um governo a ter uma atitude tão masoquista?

    A ideia é que temos de pagar as nossas dívidas, por isso é preciso apertar o cinto. Mas não só: é preciso também pedir outro dinheiro emprestado (já foi feito com a intervenção da Troika e será feito mais para frente).
    Já isso é patológico: pedir um empréstimo para pagar uma dívida? É natural que isso signifique entrar num circulo vicioso do qual será cada vez mais difícil sair (os empréstimo da Troika não são de graça: há juros também).

    Enquanto é pedido outro dinheiro emprestado, são adoptadas novas medidas que empurram o País no caminho da recessão: é o mesmo governo que admite que Portugal está em recessão agora (2012) e que as dificuldades continuarão também em 2012.

    Por isso, para sair do grave problema da dívida pública, as medidas adoptadas são as seguintes:
    – pedir outro dinheiro emprestado
    – fazer que a economia do País entre em recessão.

    Imagine o Leitor que algo parecido aconteça na de Pedrito: contraiu um empréstimo excessivo e agora não tem capacidade para pagar. O que faz o nosso Pedrito?
    – pede outro empréstimo
    – trabalha cada vez menos (e ganha menos também , como é óbvio).

    Agora, segundo o Leitor, Pedrito tenciona pagar as dívidas e restabelecer a própria situação financeira ou tem algo diferente em mente?

    Ah, a exportação, pois. Alguém pode explicar-me o que pode exportar este País?

    Abraço!!!

  3. Boa tarde, Max!

    Quero dar os parabéns pelo blogue e respectivo conteúdo.

    Acho-o dos melhores que tenho visto – e em português de Portugal!

    As divagações (e constatações) aqui expostas são, para mim, extraordinariamente pertinentes e realísticas.

    Continuarei a vir aqui, se possível, com maior frequência, mas não queria deixar de dar os parabéns e de agradecer o contributo com este blogue!

  4. A única explicação eh que as cúpulas de diretores das empresas dos donos do mundo, que fazem constantemente projeções futuras do mercado não estão conexas com o mundo financeiro.

    A SAP AG tem que lançar um novo sistema para integrar de verdade esses dois mundos.

    Economia real destruída, estados falidos, hipotecas pessoais… Isso no mundo financeiro desregulado se transforma em domínio integral de todos os recursos e capitais.

    Do ponto de vista de um multi trilionario, cuja vida não mudará (só aumentar a conta bancária e as posses), tudo está lindo!

  5. 🙂 Olá Max!

    Pois… eu, o Ponto de Interrogação, sou de Almada 🙂

    Obrigada por teres acrescentado o blogue, apesar de há algum tempo não escrevermos. Podemos fazer alusão a este blogue no nosso espaço? É que consideramos de toda a pertinência tudo o que abordas aqui.

    Obrigada!

Obrigado por participar na discussão!

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