Da saída do Euro e de outras banalidades – Parte I

Muito bem pessoal: chego a altura.

Para quê?
Para enfrentar um tema todo europeu: uma série de artigos que tratam da situação do Euro e, sobretudo, de como sair dele. Afinal este é um blog nascido no Velho Continente.

Começamos com uma pergunta: o que aconteceria numa Europa sem Euro?

O que aconteceria se o Euro ruísse? Para muitos, a resposta é um desastre absoluto, um Armageddon de proporções nunca vistas antes.

Mas seria mesmo assim? Talvez não.

Talvez a identificação da Europa com a União Europeia e com a sua moeda oficial, o Euro, como muitos políticos fazem, é um paradigma enganoso. Um possível colapso do Euro e da União pode ser visto como uma oportunidade para a evolução do continente. E evoluir das actuais condições não é difícil.

O Armageddon

Os políticos europeus dedicados à causa do Euro gostam de repetir: “Se o Euro cair, cai a União Europeia e a seguir toda a Europa”. A chanceler alemã, a simpática Angela Merkel, repete esta afirmação de contínuo. Mas esta é uma “declaração imprudente”.

O principal problema é que as pessoas não conseguem ver alternativas a unificação europeia tal como foi implementada. Os políticos “europeístas” insistem a dizer que, se o Euro e a União entrarem em colapso, será só o caos total: o Velho Continente voltaria à situação anterior à última guerra. As Nações ficariam isoladas economicamente, começariam as lutas intestinas. A guerra na Europa central, especialmente entre a França e a Alemanha, é considerada como uma possibilidade real.

Esta visão ignora o facto de que o processo de unificação europeia só se tornou possível porque a Alemanha e a França deixaram de ver o inimigo um no outro. Não foi com a União Europeia que os dois Países começaram a colaborar, foi antes, porque sem uma colaboração prévia a União nunca teria nascido.

Depois disso que Paris e Berlim começaram a ver o conjunto dos dois Países como o “motor” do processo de integração europeia, que começou com a fundação de uma união económica, e depois foi estendido à esfera política. Pensar que a única coisa que trouxe a paz na Europa foi um tratado assinado é uma infantilidade: os tratados assinam-se e rasgam-se, o que conta são as intenções.

A teoria de que a queda do Euro e da União traria o caos e a guerra pode ser interpretada como nada mais do que uma estratégia necessária para construir consenso em torno da ideia de que os Países altamente endividados, como Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha ou Itália, devem receber apoio financeiro adicional. O famoso “resgate”.

A Suíça não parece sofrer muito…

O Euro, a União Europeia e a Europa estão longe de ser conceitos sobreponíveis. Alguns dos Países que são membros da União, por exemplo, mantiveram a autonomia monetária: Reino Unido, Suécia, Dinamarca. E não é por isso que estão em crise o que pensam declarar guerra aos vizinhos.

Por outro lado, alguns Países não membros da União (como a Suíça) participam em alguns acordos europeus mesmo ficando de fora. Não há dúvida de que quanto à cultura, ciência, desportos e sobretudo economia, Países como a Noruega e a Suíça são parte integrante da Europa. O facto de ficar “de fora” da União não impede que estes Países sejam europeus e colaborem com todos os outros Países do continente.

E nem parece que pelo facto de ter ficado de fora, em Berna ou em Oslo estejam à beira duma crise histérica. Bem pelo contrário…

Por isso, mais uma vez: identificar o Euro e a União com a Europa, como muitos políticos gostam de fazer, é algo totalmente enganoso.

Ainda mais importante é o medo de que a destruição do Euro e da UE levaria a uma catástrofe: cada País seria empurrado para o fundo dum abismo, o regresso das Trevas.

Não, querido Leitor, nada disso. tal como aconteceu antes da União, cada Países concluiria novos tratados com os vizinhos. Aconteceu antes, porquê não poderia acontecer no futuro? A colaboração seria mantida em todas as áreas em que tem funcionado bem. E seria sempre possível pensar numa nova Zona Euro, desta vez com bases mais lógicas e realmente democráticas (ainda melhor: federalistas).

GFSC: os novos tratados

Mesmo sem pensar numa nova instituição continental, o resultado seria uma rede de tratados entre os vários Países, tratados não baseados numa vaga noção de “Europa”, mas sim baseados na eficiência funcional. O elemento crucial é que, contrariamente a quanto acontece nestes dias, cada tratado será estável porque concebido no interesse de cada membro.

Uma ideia estranha? Não, uma ideia que já foi experimentada com sucesso e que agora tem um conotação teórica bem precisa no acrónimo GFSC.

Já experimentada porque podemos simplesmente abrir uma página de Wikipedia e descobrir o que era a CECA: a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, fundada em 1951, que nasceu entre França, Italia, Alemanha Ocidental, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo e que havia como objectivo a integração das indústrias do carvão e do aço dalguns Países europeus ocidentais.

Depois a CECA foi utilizada como trampolim para a Comunidade Europeia até chegar aos nossos dias com a União, mas na origem era um acordo económico entre Países que mantinham a própria soberania (e até as fronteiras).

E hoje temos o GFSC, acrónimo de Jurisdições Funcionais Sobrepostas em Concorrência. Dito assim parece coisa complicada, mas não se deixem enganar: na verdade GFSC indica quanto descrito acima, uma série de tratados entre vários Países, baseados na eficiência funcional e nos quais os cidadãos são chamados a desenvolver um papel mais activo. Um panorama bem diferente da Comissão Europeia de hoje, que faz e desfaz leis sem ter sido eleita por ninguém.

A nova cooperação europeia poderia muito bem ser construída com estas bases e alguns mecanismos da actual União até poderia ser mantidos enquanto positivos, como no caso do Acordo de Schengen (a convenção que permite a livre circulação de pessoas e mercadorias entre os Países signatários).

Claro que será imprescindível eliminar o deficit democrático das instituições hoje sediadas em Bruxelas. É inconcebível a mesma existência dum organismo como a Comissão Europeia ou a transferência da soberania económica dos vários Países.para as mãos. Bruxelas deveria voltar a ser o que sempre foi: a capital da Bélgica e nada mais.

Complexo? O caso Turquia

Alguns entre os Leitores poderiam considerar esta rede de tratados como demasiado complexa e pesada, e, portanto, não é desejável. Mas só à primeira vista. A essência da Europa é esta: é a variedade e diversidade, não é a uniformidade ou a burocracia. O Velho Continente não é como os Estados Unidos: não há um idioma e uma história, há muitos idiomas e muitas histórias, muitas tradições. Esta é uma riqueza que deve ser preservada.

Além disso, uma tal rede de acordos, cada um dos quais serve uma função específica, estaria aberto a todos os Países que fazem fronteira com a Europa. Hoje não é assim. Lembramos a questão da Turquia, por exemplo: Ankara dentro ou fora da União? Com os tratados não existiria esta dualidade: a Turquia poderia aderir a alguns entre os acordos, sem por isso ter que tornar-se “europeia”.

Seria mais simples participar em acordos económicos enquanto os temas políticos mais delicados poderia ficar de fora ou serem resolvidos com conversações directas entre as partes interessadas. Hoje isso não é possível. Pelo contrário, a Turquia é hoje presa numa situação indefinida que tem repercussões no plano geopolítico e militar internacional.

A Europa não é o Euro e não é a União Europeia. Este dois elementos são hoje um fardo, não uma vantagem. Um possível colapso do sistema pode ser uma óptima oportunidade para uma Europa melhor.

Ipse dixit.

Fontes: VoxEU, VoxEU (2), Economics, Wikipedia

5 Replies to “Da saída do Euro e de outras banalidades – Parte I”

  1. Sou adepto do fim do euro quase desde que ele nasceu.
    Com o euro ficou a vida dos portugueses mudou para pior. Os aspectos mais obvios são os quase inexistentes niveis de poupança e os altos indices de endividamento.

    Uma coisa é evidente; este modelo económico/financeiro não funciona, por isso tem de ser substituído por outro.

    Hoje temos uma europa que não é mais que uma estrutura anti-democrática onde meia duzia decidem o que lhes apetece, contra os interesses da grande maioria dos cidadãos.

    Espero que o colapso do euro seja uma inevitabilidade e estou convencido que acontecerá, mais dia menos dia.

    Venha de novo o escudo.

    abraço
    Krowler

  2. Fico também a aguardar o desenrolar da saga =)
    Vai haver algum artigo do género "antes e depois"? Era giro avaliar o estado de vários dos membros da UE antes e depois da entrada do Euro. E perceber concretamente o que e como muda um país (olha, por exemplo, portugal) com a adesão ao euro. Porque parece que a inflação foi uma reacção automática?

    Uma dúvida:
    Se voltássemos a funcionar com o escudo, o PIB ficava igual, o défice ficava igual, a dívida idem, não é? apenas passariamos a falar em escudo em vez de euro. Um pouco como ir ao supermercado e pedir "um quilo" ou "mil gramas" de maçãs. O maior impacto seria mesmo a recuperação da soberania, certo? Que imagino ser um pequeno pormenor =)

  3. Sobre a saída do Portugal do euro existe muita informação e contra-informação, dependendo dos interesses de cada um.

    Para quem se lembra do ultimo trimestre de 2002, na fase inicial do euro, era o Barroso 1.º ministro e a Ferreira Leite ministra das finanças, Portugal viu-se confrontado pela primeira vez com a inevitabilidade do cumprimento dos tais 3% de défice.
    O investimento público foi travado a fundo e as consequências imediatas foram uma vaga de falências que começaram no inicio de 2003 e duraram o ano todo. Nem o Euro2004 ( campeonato da europa) com os investimentos que foram feitos, conseguiu inverter o ciclo.
    Hove um período de ajustamento da economia, que não foi mais que o adiar de uma situação, e que em 2008, redobrou de intensidade até ao 'pedido de ajuda' ocorrido em 2011.

    Chegados a 2012, temos varios países da europa confrontados com a sua incapacidade de viver sem ser com dinheiro emprestado, e outros em fila de espera para ajudas futuras.

    No final teremos um conjunto da países com o seu património completamente alienado, economias destruidas, e com niveis de endividamento record.
    Isto é: Os dinheiro dos impostos deixará de ser utulizado para investir na saúde, educação, reformas e segurança social, e todos os serviços que devem ser prestados pelo estado, para ser canalizado quase exclusivamente para o pagamento da divida.

    Seria como alguem ter de continuar a pagar os empréstimos de um carro e de uma casa, mesmo depois de já ter ficado sem eles. Pergunto se alguem manteria um compromisso desta natureza mesmo sabendo que tudo não passou de uma vigarisse?
    Disse vigarisse, pois o mecanismo de criação de dívida é isso mesmo. Já correu muita tinta a falar disto e muita vai continuar a correr.

    Sem entrarmos em considerandos mais alargados, fica claro que este modelo euro-dependente não funciona para os cidadãos.
    Se um modelo não funciona, só resta uma possibilidade: ser abandonado.
    Aqui a coisa complica-se, pois vamos ter de mexer com interesses instalados.

    Penso que se Portugal sair do euro vai haver um período um pouco conturbado por força do reajuste da economia. No entanto, e terminado esse período, a situação normalizará.
    É uma das leis da Fisica. Uma situação de desequilibrio tende forçosamente para uma situação de equilibrio.

    Por mim saíamos já hoje.

    abraço
    Krowler

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