Movimento 5 Estrelas: és tu que escolhes

Um exemplo.
E, embora possa parecer esquisito, desta vez chega de Italia.
Ainda mais esquisito: do assunto fala um diário português, o Público, do qual reporto o artigo de hoje.

Enquanto o primeiro ministro Mario Monti fala de combater a Máfia, os velhos partidos políticos entraram numa espiral de destruição.

Não admira no caso de Berlusconi: o seu Partito delle Libertá (Partido das Liberdades) simplesmente não existia, o partido era o mesmo Berlusconi, que já saiu da política para entrar nos tribunais.
Não admira no caso da Lega Nord, que há muito tinha deixado de ser uma alternativa para tornar-se um simples partido de poder em Roma (“Roma ladra” como era chamada quando a Lega ainda tinha um sentido).

O que admira é a queda do Partito Democratico (Partido Democrático, PD), a Esquerda histórica italiana, os herdeiros de Antonio Gramsci.

Estas eleições eram como uma grande penalidade numa baliza sem guarda-redes. E o PD conseguiu o impossível: fazer autogolo.

O caso de Parma, desde sempre uma cidade “vermelha”, é sintomático: o PD estava certo de ganhar a presidência da Câmara e candidatou o Presidente da Província, Bernazzoli.

Este cometeu o primeiro erro: não se demitiu da Província para concorrer na Câmara, porque, claro, em caso de derrota teria mantido a própria “cadeira”. E a gente não gostou.
Segundo erro, ainda mais grave: anunciou como vereador do orçamento o vice-presidente dum banco. Mas qual cérebro pode nesta altura candidatar um banqueiro e esperar os votos dos cidadãos?

Resultado: 60% dos cidadãos de Parma votaram no homem de Grillo, o jovem Pizzarotti.

O qual explica:

Tentava perceber como empenhar-me, pensava no voluntariado no estrangeiro. Depois fui ver um espectáculo de Grillo que na altura procurava pessoas para formar grupos no território. Decidi conhece-lo e o encontro foi num café, porque não existe uma sede, seria dinheiro mal gasto. Os nossos encontros são nos cafés da cidade. Nunca segui uma ideologia, prefiro as batalhas civis.

Nas listas dos vereadores não há uma cara conhecida. São jovens, sem passado político, pessoas que estudaram, outras que simplesmente decidiram ajudar. Não há cartões de partido, não há uma estrutura: a campanha eleitoral custou 6.000 Euros, nem um carro é possível comprar com este dinheiro…

E a propósito de dinheiro: já se fala na introdução duma moeda local.

Primeira medida: parar o incinerador que em Parma ninguém quer mas que a elite política tinha viabilizado.

E Grillo? Não vai em Parma, nada de comícios. O sinal é claro: ganhou Pizzarotti, é uma vitória dos cidadãos, são eles que agora têm que recolher o sucesso e gerir a realidade local.

Grillo continua a fazer o que fazia antes: espectáculos e blog, donde tudo partiu.

Da sua casa em Genova fala dos partidos “que estão a dissolver-se num líquido nauseabundo”, da televisão e dos jornais “informação da pré-história”, do primeiro ministro Mario Monti, que ele baptizou Rigor Montis, “que ganha 31.000 euros por mês e quer desmantelar o Estado social”, do presidente Napolitano cujo custo é de “240.000 euros, quatro vezes Buckinghham Palace”.
E conclui:

Nós não somos o terceiro partido em Itália, mas o primeiro movimento popular da Europa.

Eis o artigo do Público:

A direita italiana e o partido de Berlusconi estão a desabar. O resto dos partidos e dos políticos italianos, os mais velhos da Europa, também estão em apuros. Se quiserem travar Beppe Grillo, terão de se reinventar.

Beppe Grillo pode não ser mais do que um “megafone”, mas a sua voz não voltará a ser ignorada. O seu Movimento 5 Estrelas conquistou quatro câmaras nas eleições municipais italianas, incluindo Parma, cidade de 200 mil habitantes que é a segunda maior da região de Emilia-Romagna. E, segundo uma sondagem divulgada ontem, se as legislativas se realizassem esta semana, as listas populares de Grillo teriam 18,5% dos votos, mais do que o Povo da Liberdade, de Silvio Berlusconi, com 17,2%.

“Obrigado a todos, conquistámos Estalinegrado [Parma], agora vamos a caminho de Berlim!”, exclamou o comediante tornado político numa conversa com apoiantes no Skype. À decisiva derrota sofrida por Hitler durante a Segunda Guerra seguiu-se Berlim. Para o 5 Estrelas, Berlim serão as legislativas do próximo ano.

Grillo não vai à televisão – nem permite que os membros das suas listas o façam –, defende a democracia directa e sonha com “cidadãos que se elegem entre si” através do seu movimento, “um instrumento ao serviço dos cidadãos para lhes permitir administrarem-se a si próprios”.

A exemplo do que fazem movimentos como os indignados espanhóis, prefere as redes sociais para passar a sua mensagem. Há anos que tem um blogue, hoje o mais lido de Itália. Mas também enche praças. Aliás, foi assim que se tornou incómodo, em 2007, organizando manifestações contra a classe política.

Em
2009, o comediante nascido em Génova quis concorrer à liderança do
Partido Democrático, decidida em primárias abertas. A principal formação
do centro-esquerda (de acordo com a sondagem do instituto Ipsos, o PD
tem agora 27,7% das intenções de voto) fechou-lhe a porta e chamou-lhe
“invasor”, sublinhando que o partido era “uma coisa séria”. O jornal La Stampa descreveu o impacto do anúncio de Grillo como “um terramoto”.

Com
as municipais, cuja segunda volta terminou na segunda-feira, e com a
sondagem do Ipsos, conhecida ontem, Grillo reedita o efeito “terramoto”.
Agora, as ondas de choque fazem-se sentir à direita, mas na verdade
atingem toda a classe política e o conjunto do sistema partidário.

No
PdL, que antes do golpe da sondagem já estava em alvoroço por ter
perdido vários municípios, o ambiente era ontem de pré-revolução, com
muitos dirigentes a pedirem a cabeça do actual coordenador, Sandro
Bondi, que pediu a sua demissão. Berlusconi, que ainda dirige o partido,
recusou o pedido, soube-se no final de uma reunião do estado-maior do
PdL.

À direita, o descalabro estende-se à Liga Norte (direita
xenófoba), ex-aliada de Berlusconi, que surge na sondagem do Ipsos com
4,6%, menos de metade do que tinha antes da demissão de Umberto Bossi, o
seu líder, envolvido num escândalo de financiamento ilegal.

Um
dos factos das municipais foi a participação de 50%, muito mais baixa do
que o habitual. A partir de agora, diz James Walston, politólogo da
Universidade Americana de Roma citado pela Reuters, resta aos partidos
tradicionais tentarem “reinventar-se” para travar Grillo.

A nova política

O comediante despenteado é um provocador, diz querer tirar a Itália do euro e chama “Rigor Montis” (rigor mortis)
a Mario Monti, o ex-comissário europeu que assumiu a chefia do Governo
com a saída de Berlusconi, em Novembro. As suas listas juntam
desempregados, estudantes ou professores. Gente normal com vontade de
fazer política de outra forma. Gente jovem. A média de idades dos
candidatos é de 38,5 anos, para 59 nos partidos tradicionais. A Itália
tem os políticos mais velhos da Europa.

“Não somos antipolítica.
Agora somos a nova política”, disse Federico Pizzarotti, o informático
de 39 anos que conquistou Parma (60,2%) com um orçamento de 6000 euros.
“Beppe Grillo é o nosso megafone. Os cidadãos elegeram-me a mim,
certamente não elegeram Grillo.”

Para acabar, lembro um ponto que considero importante: o Movimento 5 Estrelas começou, cresceu e continua na internet, a partir dum blog.

Não tem ideologia e baseia-se apenas na participação dos cidadãos. A participação dos cidadãos, a vontade de mudar.

Gente absolutamente normal que decide lutar para um futuro melhor. Gente que se mexe. Que não espera que “os outros ” façam alguma coisa. Gente que não delega mas que levanta o posterior e decide fazer algo. Gente que participa nas discussões na internet, que escolhe criar um movimento local, no qual o movimento nacional não interfere. Gente que não recebe ordens mas quer pôr ordem. Gente que não fica escondida atrás duma bandeira ou duma ideologia, gente que cria e adapta a própria ideologia segundo as necessidades da comunidade.

E acreditem: se resultou em Italia, pode resultar em qualquer parte do mundo.
Porque és tu que escolhes.

Ipse dixit.

Fontes: Público, Corriere della Sera, BeppeGrillo

7 Replies to “Movimento 5 Estrelas: és tu que escolhes”

  1. obrigado por compartilhar conosco esta informacao. duvido encontrar algo tao rico nos medias tradicionais

  2. Olá Max: uma grande chance, sem dúvida! Sempre insisto que não adianta somente dizer da necessidade de re-inventar o mundo, convém re inventar-se e ao mundo ao seu redor e ao seu alcance. Eu, que acredito que a economia solidária re invento a ordem da economia, trato de praticá-la onde estou, e falar sobre as suas conveniências revolucionárias frente ao neo liberalismo. Eu, que penso que redes não hierárquicas de troca de ideias favorecem a re invenção do livre pensamento, participo delas e teço redes de intercâmbio solidário por onde ando. Nós somos o somatório de eus, com infinitas possibilidades…Abraços

  3. Li no jornal e pensei… Esta o MAX não deixa escapar… E não errei!

    Só não entendi ali o 1º comentário a parte "duvido encontrar algo tao rico nos medias tradicionais"… A notícia saiu num media tradicional, cá de Portugal é claro! Se será replicada na TV para já? Dúvido! Apenas se o movimento começar a crescer… Mas como eles não falam (E MUITO BEM) às televisões, os meninos mimados devem fazer birra e vão fazer tudo para os ignorar…

    Realmente tudo é possível… Mas continuo a achar que em Portugal esta coisa de "és tu que escolhes" não cola… Portuga que se preze quer escolhido, dado e arregaçado… e atenção que vem por aí mais uma recolha!

    Em breve escreverei sobre uma pequena demonstração do que agora afirmo, pois nem com o cú sentado no sofá, e a uns simples toques nas teclas e uns cliques, os Portugas não querem saber do mais básico que há…

    Mas fico satisfeito por ver que os Italianos estão a caminhar noutra direcção, pois hoje em dia, qualquer direcção é melhor que a actual…

  4. Uma boa notícia, para variar. Mas o facto de o partido dizer que não tem programa político deixa-me um bocado desconfiado. É preciso querer alguma coisa, e cada vez mais é importante saber o que se quer (ou pelo menos o que não se quer). Um movimento de cidadãos sem um objectivo minimamente definido corre o risco de nunca ganhar força e acabar por se dispersar.
    JMS

  5. "Para que o mal triunfe basta que os homens bons nada façam" Edmund Burke; Para quando em Portugal a aplicação a SERIO do dever de cada um de nós tomar a redea das nossas vidas em prol de um mundo melhor para os nossos descendentes?, gostava de integrar um movimento disposto a mudar oq eu todos sabemos que esta mal, e unirmo-nos a uma força que com integridade e justiça conseguirão mudar o que toda a gente se queixa mas nada faz, ha que acreditar que JUNTOS conseguimos, se JUNTOS tiver-mos a maturidade suficiente de encarar os problemas e saber que o trajecto e arduo mas que eu saiba as grandes obras foram conseguidas por gente visionaria que op+tou pelo caminho mais dificil para asa conseguir, o facil, bem o facil e o resultado a que chegamos hoje no mundo a NADA e a TUDO, e um TUDO que nos põe no seguinte dilema "Si Vis Pacem Parabellum" EU TENHO ESPERANÇA, aguardo que um dia me possa juntar a um grupo de pessoas que põem a sua sobrevivencia e dos seus a frente de qualquer bem material, contem comigo JUNTOS CONSEGUIMOS, espero poder encontrar por aqui forma de me juntar ao movimento Obrigado
    Alexandre

Obrigado por participar na discussão!

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