A barreira

E agora?
Agora podemos observar uma coisa curiosa: uma barreira.

É uma linha de demarcação imaginária que separa as pessoas que utilizam regularmente a rede de informação digital (disponível com internet) daqueles que não o fazem.

Desde o início da Internet começou a ser notada esta grande diferença: não-utentes de internet que continuavam a receber informações dum único ponto de vista (o ponto de vista “institucional”) e utentes da rede que descobriam outras realidades.
Caso clássico: a guerra no Kosovo, que podia ser observada do lado oposto (o lado do povo da Sérvia, nesse caso) e que por isso mudava completamente cor.

Aqueles que assistiam à televisão ou liam a imprensa, ouviam uma única voz a redes unificadas: “Os rebeldes da Sérvia semeiam o terror nas aldeias albanesas, matando mulheres e crianças sem piedade”.
Esta a versão oficial. Depois havia a outra, disponível na internet, que contava uma história um pouco diferente. Neste caso os “rebeldes sérvios” tinham sido treinados, financiados e armados pelos norte-americanos, em secreto.
Desta forma, cada utente podia tirar as suas próprias conclusões.

O salto de qualidade foi imediato, uma pequena “revolução copernicana” da informação: não apenas a versão oficial ou a versão “alternativa” oficial, mas tudo um leque de possibilidades ao alcance de todos. E foi ai que começou a surgir a barreira entre os “informados” e os “não informados”.

Na verdade, a multiplicidade dos pontos de vista é apenas a primeira das vantagens oferecidas pela revolução da Internet: a diferença real começa a sentir-se quando o utente utilizar essa multiplicidade de ângulos para construir novos “sujeitos de informação”, que não existiam antes, sobre os quais será possível basear os próximos passos da pesquisa.

Outro exemplo. Ao observar a guerra do Kosovo com os olhos da Web, é fácil entender como esta foi uma operação planeada e orquestrada pelas Nações ocidentais para eliminar duma vez por todas o obstáculo da Sérvia.
E se essa pessoa estudarem a recente “libertação” da Líbia, então é simples perceber que as mesmas Nações ocidentais têm usado uma táctica muito parecida (agitação civil fomentada em segredo para justificar uma “intervenção humanitária”) para livrar-se dum outro obstáculo bastante chato, o coronel Khadafi.

Nesta altura, o utente da internet faz “um mais um” (o que na maior parte dos casos resulta em “dois”), e da próxima vez que ouvir falar de “intervenção humanitária” já será mais fácil compreender em poucos segundos o que realmente está por baixo da versão oficial.

Em outras palavras, a análise separada das diferentes situações históricas levou o utente não só a compreender melhor cada uma delas, mas também a aprender um novo conceito, o conceito de false flag (operações de falsa-bandeira) que antes não conhecia ou apenas suspeitava.

Não apenas isso, mas internet ofereceu além duma forma mental mais aberta, também uma série de instrumentos para verificar em tempos mais rápidos as bases das afirmações “institucionais”: as informações viajam de forma com uma velocidade antes desconhecidas, acumulam-se e ficam à disposição para uma consultação mais prática. Pelo que desmontar uma versão oficial é muito mais prático.

Entretanto, aqueles que ficam afastados desta nova realidade informativa e que assistem aos noticiários da televisão ficam retidos no nível 1: no Kossovo havia só rebeldes servos, na Líbia havia apenas um mostro de nome Khadafi. E das próximas operações false-flag continuará a ver apenas a fachada, a mesma apresentada pelos principais meios de comunicação.

Desta forma, não só nunca vai entender o significado real de cada evento, mas não pode mesmo começar a conecta-los uns com os outros porque não será capaz de adquirir o novo conceito de false-flag. As várias operações ficam assim como eventos desligados, sem qualquer relacionamento, quase “frutos do acaso”.

Aqueles que aprenderam a fazer “um mais um”, pelo contrário, procedem mais ágeis e rápidos. E quanto mais procederem, paradoxalmente mais fácil será adquirir novas habilidades e chegar a novas conclusões.

Temos todavia dois problemas:

  1. novas habilidades não significa mais capacidade de interpretar correctamente os eventos
  2. a linha divisória entre aqueles que procuram informações na internet e aqueles que ficam com a informação institucional torna-se nesta altura uma barreira intransitável.

As novas habilidades levam também ao aparecimento de terceiras versões, distintas da versão oficial e da versão alternativa “primaria”. Estas terceiras versões muitas vezes apresentam pé de bairro (ou são delírios mesmo), o que deslegitima também a versão “primaria” aos olhos de quem não utilizar internet como fonte de informação.

E a linha divisória acaba por criar dois mundos que não utilizam a mesma linguagem. Quem fala da Líbia como duma operação false-flag não será capaz (na maior parte dos casos) de explicar o próprio ponto de vista a quem vive de informação “oficial”. Isso porque a bagagem de conhecimentos acumulados ao longo do tempo e os perversos mecanismos de actuação não podem ser explicados em poucas linhas.

David Rockefeller, entre um discurso e outro, afirma que talvez internet não tenha sido um bom negócio. Porquê será?

Ipse dixit.

Fonte: Massimo Mazzucco em Luogo Comune.

12 Replies to “A barreira”

  1. Olá Max: hoje eu estou do contra, ih, ih,ih…nada a ver com um certo roteiro turístico que não chegou ainda,rsrsrsrs…Mas é que percebo isso de uma maneira um pouco diversa. Queres ver? Exemplificando, com um acontecimento "bem banal", a segunda guerra mundial. Quem entende que EUA e Inglaterra financiaram a beligerância hitlerista para acabar com o estado soviético, e fazer avançar a economia capitalista do império no mundo, já percebia esta posição como credível, com ou sem internet, pois há e havia escritos alternativos a história oficial nas bibliotecas e livrarias. No entanto, quem tem tendência a aceitação pura e simples da primeira explicação, ou o que é pior,quem consegue viver sem explicação nenhuma de nada, contenta-se com a versão oficial da TV e jornais, e na internet, encontra e usa sua repetição. Quem sabe separar o joio do trigo, o faz na livraria, na banca de jornais, na TV, na escolha dos filmes, e na internet, claro. Concordo que a internet facilita a velocidade,a interação, e a facilidade de busca, isto sim. E, se não fora assim, os Rockfeller da vida simplesmente já teriam tirado esse tecladinho das nossas mãos, faz tempo.Abraços

  2. A Internet não só permite o acesso a um ponto de vista diferente do 'oficial' como tambem permite em tempo real a pesquisa sobre qualquer assunto passado. Coisa que nos meios de comunicação oficial não é possível.

    Contudo e como foi já dito, a informação vai assumir um conjunto diferente de roupagens de acordo com o ponto de vista de quem escreve. Aqui começam as dores de cabeça para quem procura a verdade na net.
    A informação versus desinformação.

    Sobre a 'barreira', esta é real, e tanto é valida para quem lê e quem não lê na Internet, mas tambem para aqueles que têm a net como fonte de informação mas que a procuram em sitios de convicções opostas.

    Há para todos os gostos

    Krowler

  3. Ai a 2ª GM… dá panos para mangas, e compridas!!! Um dos principais financiadores foi a Família Warburg… A mesma que criou a FED… E além disso também financiaram a "revolução" russa! Aquilo são verdadeiras máquinas de fazer notas e moedas!

    Maria… Temos que chamar os bois pelos nomes dizer que foi EUA e Inglaterra é vago por demais!

    De resto, nunca devemos nos esquecer que o que quer que estejamos a ler é um ponto de vista de alguém sobre algo, e que esse ponto de vista faz parte de algo muito mais vasto… Devemos sempre tentar não fazer da parte, o todo…

    Abraços e Bjs

  4. Tudo bem Voz, tens razão, tens toda a razão, mas hás de convir comigo que qualquer hipótese alternativa, mais geral, ou mais situada, fica anos luz de distância do senso comum mais ou menos ilustrado, ou analfabeto mesmo, sobre a lenga lenga zilhões de vezes repetida em películas holydianas, livros didáticos, entrevistas com especialistas,Tv, internet, e o diabo disseminado pelo mundo afora.Me parece que o problema é que, quem está imerso no pensamento único, permanece nele, independente da tecnologia de acesso ao conhecimento que utilize.Aí tu podes me perguntar: " o que faz o sujeito desconfiar que tem alguma coisa errada, mal contada?" Penso que a experiência cotidiana do sujeito, as situações limite com as quais é confrontado e a sorte que pode ter ou não em conviver num ambiente mais aberto a dúvida e a discussão sem fronteiras. Em segunda mão, um livro, uma viagem, um professor, um grande amor, um delírio qualquer, de repente II no teu caminho, embora até agora contabilizei mínimas mudanças de opinião nos comentaristas dos poucos blogs que acompanho, seja o teu, seja o do Max.Abração.

  5. Vê só Max: em nenhum momento eu desconfio da validade do teu trabalho no blog que, se não servisse para ninguém serviria imenso para mim, isso posso afirmar categoricamente. Mas venho observando que os blogs contribuem para reforçar nossos pontos de vista,compartilharmos informações utilíssimas,interagirmos formando redes de pensamento/ação solidárias, até discutirmos as vezes…mas difícilmente alguém manifesta algo mais ou menos assim:"caramba, tu me fizestes mudar radicalmente de opinião sobre tal coisa". Não,predomina o reforço, a negação, ou a complementação, seja no sentido da concordância ou da discordância. E na discussão, os nossos argumentos ficam predominantemente na ordem da retórica, ou no pensamento deste ou daquele, com o qual concordamos. Abraços

  6. maria… 100% na mesma frequência! Os Canais emissores sabem perfeitamente em que frequência emitir! As maiorias como já há tempos chegamos à conclusão, são por natureza facilmente conduzidas, fruto de uma valente ensaboadela mental, que tem início no dia em que entram no "Sistema De Ensino"… A partir daqui tudo passa a ser formatado à vontade do Sistema vigente… Os pais, escravos da Máquina, mal têm tempo para dormir e comer quanto mais para se educarem e educarem os progenitores… E é disto que as Elites sabem tirar enorme proveito… Enormes Massas de acefalópodes que não se conseguem livrar das amarras mentais a que foram sujeitos durante anos e que se contentam a serem Escravos uma existência inteira… A razão principal é: Liberdade cansa e dá trabalho!

    Abraços

  7. Mais ainda do que a velocidade, a principal vantagem da internet no acesso à informação parece-me ser a democraticidade, derivada de ser um meio relativamente barato. Ou seja, não é preciso gastar balúrdios em livrarias (correndo o risco de comprar gato por lebre) para aceder à informação; pode-se ter acesso fácil a todos os pontos de vista, desde que haja curiosidade e interesse em saber.

    Penso que as livrarias não são o melhor sítio para começar a busca de informação, mas sim para a aprofundar, porque todos sabemos que o mercado livreiro, como todos os mercados, afunila a oferta e tende a propor-nos apenas o best-seller. Aliás, à conta disso, em Portugal já quase não adianta entrar em livrarias: vendem todas o mesmo, e as mesmas porcarias. No caso de desejarmos aprofundar conhecimentos sobre um tema, aí os livros são essenciais, e a melhor maneira de os comprar é pela internet e em segunda-mão (também neste aspecto a internet contribuiu muito para a democratização do acesso à cultura).

  8. Krowler,

    Para além de não morar em Lisboa, não sou suficientemente rico para poder comprar livros portugueses. Compro muitos, mas em inglês, e usados, porque saem a 1/4 do preço. Na Ler devagar nunca estive, mas nem sequer estava a falar dos hiperes. Mesmo as Fnac's e Bertrands quase só têm porcaria. Para encontrar lá um livro de jeito, é preciso remover toneladas de entulho light.

    JMS

  9. Olá JMS, olá Krowler!

    Os livros em Portugal são caros. Vi as livrarias online no Brasil e parece a mesma coisa.
    Uma pena. Aliás, um delito.

    Infelizmente não posso ajudar muito: costumo trazer os livros que me interessam de Italia (ou peço para que sejam enviados), aqui em Portugal faço como JMS, compro as edições em língua original que são bem mais baratas.
    Ou visito as várias "feiras do Livro" ou de velharias. Claro, é preciso "cavar".

    Não consigo conceber gastar 25, 30 ou mais Euros em troca dum livro, sobretudo hoje com a feroz concorrência de internet.

    Os livros de história ou de economia, depois, são entre os mais caros, até parecem feitos a mão no pergaminho de ovelha…

    Quando for eleito "Rei do Mundo e Arredores", vou retirar o IVA dos livros e apoiar as editoras que facilitem a divulgação de obras científicas e alternativas.

    E que raio.

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