Botox

Wall Street com problemas?

Não há crise: o Botox está em franca recuperação.

Claro, é uma recuperação aparente, de superfície: um veneno que paralisa o nervo, reservado para quem pode, pessoas cuja vaidade leva a transformar os rostos em caricaturas para adquirir uma expressão congelada, tipo boneca assustadora, incapaz de mostrar emoção.

Um grotesco simulacro do rosto humano.

Um rosto distorcido pelo Botox revela um indivíduo com uma visão distorcida da vida: a vida tem limites, neste caso é o processo de envelhecimento, algo que deve ser escondido. O triunfo da artificialidade sobre a realidade.

Envelhecer é pecado, é mal. Temos de ser jovens e viver para sempre.

Da mesma forma, a vida com a actual estrutura económica e política sob o efeito do Botox parece uma distorção assustadora da própria vida, algo desesperado para esconder o massacre causado pelos excessos da exploração das pessoas e do planeta.

A superfície como ilusão.
E como a maior parte das pessoas vêm apenas o que estão a tentar ver, o truque funciona. Mais ou menos. Conseguiu enganar-se e acreditar que seja possível enganar os outros também.
Infelizmente o que parece e não o que é muitas vezes determina a nossa reacção. Então eis a realidade grotesca que chamamos “sociedade”.

É por isso que seria importante aprender a ver, a ler a realidade: ir além das aparências. E esta aprendizagem tem que incluir todos os sentidos, não apenas a mente, pois a mente pode ser enganada (e duma forma bastante simples): o estômago, por exemplo, já muito menos.

Somos bombardeados por mensagens que miram a criar um sentido de culpa. A destruição do planeta é obra nossa, a alteração do clima é culpa nossa, as espécies em risco podem desaparecer por culpa…de quem? Ah, pois é: nossa.

Mas são mensagens falsas. Não na individuação dos conteúdos (pois o Homem está realmente a destruir o próprio habitat, disto não há dúvida) mas das causas  e, sobretudo, das soluções.

Ninguém explica que a melhor água é aquela produzida o mais perto possível da nossa casa: porque consumir mais água da nossa região significa reduzir o inútil transporte de milhões e milhões de garrafas.

Ninguém explica que os produtos melhores são aqueles das empresas que não exploram os trabalhadores dos Países mais pobres. Aliás, neste sentido o consumidor nem sabe distinguir uma empresa da outra e carece de qualquer informação.

O que é dito é que a gasolina polui e que por isso as grandes empresas trabalham duramente para projectar veículos eléctricos. É verdade: a gasolina polui, mas como é produzida a electricidade para os acumuladores dos carros eléctricos? Do petróleo.

Temos carne cheia de antibióticos, aspartame cujos efeitos parecem tudo mas não saudáveis, vegetais geneticamente modificados. Mas podemos ficar descansados: tudo nos moldes da lei. Até as radiações do telemóvel ficam nos limites legais: porquê preocupar-se?

Depois apanhas uma gripe, tomas os medicamentos e não ficas melhor. Porquê será? Porque passaste a vida a engolir antibióticos com o bife e o teu corpo já não reage. E nem podes queixar-te: tudo estava nos limites previstos da lei.

E continuas a não sentir-te bem: estás enervado, talvez deprimido. Mas esta depressão tem a mesma origem do mal estar económico e político: ficar agarrados a um mundo que está a morrer, recusar aceitar o envelhecimento e a morte dum sistema insustentável.

Também aqui há Botox. Botox para a economia? Com certeza, chamam-se bolhas especulativas, onde aparentemente ficamos mais ricos quando na verdade estamos prestes a estoirar.
E há o Botox da alma, os antidepressivos.

Uma vez havia o padre, que ouvia os nossos pecados e absolvia com 10 Pater Noster. Hoje não, é tratada a superfície, mas ninguém absolve.

A depressão, explicam as casas farmacêuticas, é causada por um desequilíbrio químico. Pode ser verdade em alguns casos, não na maioria. Porque quem trabalha 8 ou 10 horas numa empresa, 5 ou 6 dias por semana, e depois não tem dinheiro que chegue, não tem um desequilíbrio químico: tem falta de dinheiro, apesar do trabalho. E a falta de dinheiro deprime porque frustra os nossos desejos.

Podemos engolir o antidepressivo que, qual Botox da alma, conseguirá melhorar a situação, mas nunca resolverá o problema.

A maior parte das pessoas quer simplesmente abandonar a torre em ruínas na qual vive. Falar, dialogar, sonhar alternativas. Mas é uma conversa entre surdos, porque todos parecem sofrer dos mesmos problemas e ninguém imagina a saída. Então cria-se um eco que repete as mesmas observações, as mesmas frases. Sem que pareça existir uma solução.

Neste Capitalismo crepuscular, as pessoas estão presas pelas circunstancias sociais e financeiras, muitos não acreditam na possibilidade de mudar. Então procuram escapes, como no caso da pornografia (que não é só mulheres nuas), e sonham com as lotarias. Estas são as fantasias duma sociedade esgotada, que encontra no Botox a única forma de perpetuar as próprias aparências.

Sabem que estão presas porque a mensagem transmitida é aquela duma sociedade que não pode envelhecer também e o Botox está aqui para mantê-la viva. Mais ou menos viva.
A ideia de que todas as sociedades do passado surgiram, viveram e caíram parece não poder ser aplicada ao nosso caso: este é o melhor dos mundos possíveis, falta só concertar alguns pormenores, mas a estrutura será eterna.

Por isso não vale a pena pensar no futuro: o futuro será igual ao presente, com as mesmas elites, os mesmos partidos, os mesmos bancos. Esta é a grande e falsa mensagem. Por isso, mais vale consumir e parecer.

Ipse dixit.

4 Replies to “Botox”

  1. Antes de mais nada, gostei muito do texto, excelente como de costume. Mas, o futuro não será como agora, será com a mesma elite mas, com um só banco, uma só polícia, um só cartão chipado para tudo. Casa grande de um lado, máquinas, siborgues e humanóides escravos do outro. Quem sobreviver ao 4º Reich e sua Guantanamo planetária verá. Sinto muito, sou grato.
    p.s. espero sinceramente estar totalmente equivocado.

  2. Olá Max: insisto que existe solução sim, mas apenas para quem se dá conta de tudo que consta no post, que acredita realmente nisso. E a solução não é tão complexa, depende de escolhas. De hoje em diante, o que vais fazer com cada tostão que tens disponível? Como planejas tua possibilidade de emancipação? Entre o teu momento agora e o desenho da tua emancipação, traça uma linha reta…e caminha, com as forças que tiveres, até chegar lá.E se não chegares durante toda a vida, morre sabendo que já estivestes mais longe do teu objetivo de liberdade e autonomia. Para uma minoria pensante e atuante, existe saída, sempre. Para a maioria, não, só botox. Abraços

  3. Olá Aldo!

    Eu vejo um possível futuro como uma evolução (ou melhor: involução) do estado actual.
    Em vez de muitos bancos teremos provavelmente um só banco. Em vez de 10 supermercados, 1 supermercado. Em vez de muitos partidos, dois partidos (em perfeita sintonia).

    Este é o futuro que está a ser preparado, disso não há dúvida. E não é preciso acreditar na Nova Ordem Mundial, é só observar o que se passa: cada vez mais centros comerciais (nas mãos de poucos) e cada vez menos pequeno comércio. E este é só um exemplo banal.

    Será este o futuro? Não sei. Tudo dependerá das forças que conseguirão gerir o Grande Colapso. E aqui o discurso torna-se complexo e imprevisível.

    Dizem que as Revoluções sempre forma orquestradas e geridas pela elite da Nova Ordem Mundial ao longo dos séculos.
    Não sei que pensar. Se for assim, então o Grande Colapso será a ocasião para implementar uma verdadeira nova ordem, bastante assustadora.
    Mas tenho algumas dúvidas. Por isso também "espero sinceramente estar totalmente equivocado".

    Grande abraço!!!

  4. Olá Maria!

    Difícil comentar os teus comentários, como sempre. É que são mesmo bons 🙂

    Em princípio concordo, mas há um problema: quantas pessoas hoje pensam na própria emancipação? Na própria autonomia?

    Poucas, por várias razões. Um pouco porque somos bombardeados com mensagens que "obrigam" (com aspas, claro) a ter determinadas atitudes. Um pouco porque o Homem é um animal social que precisa duma matilha, não deseja ser tão diferente.

    A publicidade joga com este aspecto: mesmo nestes últimos anos, o marketing aposta muito na personalização dos bens, com o lema "cada um é diferente".
    Ficamos assim numa situação ridícula pela qual todos possuem um bem produzido por apenas uma marca, só que cada um está convencido de ser "diferente".

    É o triunfo da massificação e é difícil fugir desta lógica.

    "Para uma minoria pensante e atuante, existe saída, sempre. Para a maioria, não, só botox".
    Este é um problema sério.

    Somos condenados a ser parte duma minoria para ter uma saída? É uma visão preocupante.

    Eu acho que se calhar sim, pode ser esta a única via. Mas acho também que temos o dever de expandir esta minoria, na tentativa de torna-la maioria.

    "Dever" moral, mas não só.
    Chega um dia no qual temos de perguntar: "Ok, o que eu deixei?".
    Cada um pode deixar o que lhe apetecer, óbvio, não é preciso deixar grandes obras. Mas uma contribuição para que o mundo seja um lugar melhor, mesmo que uma contribuição pequenina, limitada ao nosso ambiente, já não seria mal.

    Se cada um de nós deixasse uma contribuição, mesmo que pequenina, no total seriam contribuições com um forte impacto e este lugar poderia realmente ser melhor (dito entre nós: na verdade seria um caos completo, pois cada um tem a sua própria ideia de "contribuição" e de "lugar melhor"…).

    Complicado, Maria, complicado…

    Grande Abraço!!!

Obrigado por participar na discussão!

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