Goldman Sachs: pontinhos e círculos

Advertência
Reparei só agora que o mesmo artigo já foi publicado pelos blogues Guerra Silenciosa e Resistir.Info. Dado que o trabalho já está feito, decidi publicar na mesma, mas aproveito para pedir desculpa aos dois blogues “colegas”: não foi copy-paste, foi mesmo uma distracção!

 Pontinhos

Se ainda houvesse jornalistas sérios, certas notícias seriam publicadas, haveria investigações, debates, seriam apresentadas possíveis soluções.

Na nossa sociedade, pelo contra´rio, há dois tipos de informação: a informação para estupidificar as pessoas (gossip, notícias inúteis e/ou assustadoras) e a informação de regime. Parecem a mesma coisa, mas assim não é.

Acerca do gossip há pouco para dizer: notícias sem sentido, vida e obras de nulidades (actores, cantores, futebol…). Retratam um mundo que existe. Estúpido e banal, mas que existe.

A informação de regime, pelo contrário, filtra e/ou manipula as notícias, tornando desta forma “real” um mundo que não existe. A filtragem inclui também o ocultamento de notícias importantes, fundamentais para perceber o nosso mundo, e a eliminação de qualquer investigação das páginas mediáticas.

Este último não é um grande esforço, pois, como lembrando na abertura, jornalistas que façam o trabalho deles (que não é apenas traduzir as notícias das agências de imprensa) não há. E os que tentam não aparecem nas páginas dos media mainstream.

Então para perceber é precisa paciência, vasculhar internet, procurar provas, rastos, indícios, ligar os pontinhos. E, surpresa!, há rastos, há indícios, há provas, é possível ligar os pontinhos até que os factos consigam ganhar uma dimensão maior: é só desejar ler.

 700.000.000.000

Goldman Sachs, por exemplo.
Os media de regime pouco ou nada falam deste banco. Mas o papel dele na actual crise é de primária importância. Mais: é fundamental.

Em Setembro de 2008, Henry Paulson, ex manager de topo da Goldman Sachs, conseguiu retirar 700.000.000.000 Dólares do Congresso dos Estadso Unidos. Para isso, ameaçou o colapso do sistema financeiro global e a imposição da lei marcial. Assim o acordo foi conseguido.

Mas o pedido de Paulson para um fundo de resgate permanente chamado TARP (Troubled Asset Relief Program, Programa de Resgate dos Assets Tóxicos) foi rejeitado pelo mesmo Congresso.

Em Dezembro de 2011, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, também Vice-Presidente da Goldman Sachs na Europa, fez aprovar um pacote de resgate de 500 biliões de Euros em favor dos bancos europeus, sem pedir licença a ninguém. A justificação: o perigo do colapso do sistema financeiro e a dissolução da União Europeia. As mesmas armas utilizadas por Paulson nos Estados Unidos.

E em Janeiro de 2012, o fundo de resgate permanente chamado ESM (European Stability Mechanism, Mecanismo Europeu de Estabilidade) foi aprovado durante a noite, quase sem menção na imprensa (jornalistas, está aí alguém?). O ESM requer um fundo-dívida no qual todos os governos europeus devem participar.

Os banqueiros ganharam na Europa sem uma luta: com o ESM os investidores poderão continuar a comprar a dívida pública dos vários Países.
A propósito: é interessante notar como antes, quando é preciso emitir dívida para salvar os Estados, se fale em “investidores”; depois, para justificar as medidas de austeridade, fala-se em “especuladores”. Interessante.


O lado obscuro do ESM

O ESM é um fundo permanente que deverá substituir o temporário do Fundo Salva-Estados (EFSF), quando os Estados que representam 90% do capital investido irão ratifica-lo. Dada prevista: Julho de 2012. E não tenham ilusões: será ratificado.

Durante Dezembro de 2011, foi publicado um vídeo no Youtube com o título de The shocking truth of the pending EU collapse! (A chocante verdade do próximo colapso da União Europeia: links espanhol e inglês), cujo texto merece ser reportado:

A Europa está a planear uma nova ameaça chamada ESM: uma ameaça de dívida … O capital autorizado a ser armazenado será de 700 biliões de Euros. Pergunta: porquê mesmo 700 biliões? Possível resposta: simplesmente copiaram os 700 biliões de Dólares pedidos ao Congresso dos EUA em 2008…

Mas vamos ver algumas linhas deste ESM:

[Artigo 9]: Os membros dos [governos] de forma irrevogável e incondicional são obrigados a pagar qualquer capital exigido deles […] dentro de sete dias a contar da recepção do pedido

Portanto, se o ESM precisar de dinheiro, nós (os Países participantes) temos sete dias para pagar. Mas o que significa “de foma irrevogável e incondicionalmente”? O que acontece se um novo governo decidir não decide pagar e não transferir a capital para o ESM?

[Artigo 10]: Os governadores [do ESM] podem decidir alterar o capital autorizado e, em seguida, corrigir o artigo 8 […] conforme o combinado.

Então eis a dúvida: 700 000 000 000 Euros são apenas o começo? O ESM pode armazenar capital à vontade, sempre que assim quiser? E nós seríamos obrigados a pagar “de forma irrevogável e incondicional”?

[Artigo 27, linha 2-3]: O ESM, os seus bens, os seus fundos e activos, etc, são dispõem de imunidade perante qualquer forma de processo judicial.

Então o ESM pode exigir o nosso dinheiro e, eventualmente, proceder com acções judiciais no âmbito da União Europeia enquanto nós nada podemos fazer?

[Artigo 27, linha 4]: A propriedade, os fundos e os bens do ESM dispõem de imunidade perante qualquer inspecção, apreensão, confisco, expropriação ou qualquer outra forma de embargo ou bloqueio no âmbito dum processo de acção administrativa ou judicial.

Isto significa que nem os nossos governos ou parlamentos ou qualquer outra forma de direito democrático tem poder contra o ESM? Este é um autentico cofre blindado, nas mãos de quem?

[Artigo 30]: Governadores, vice-governadores, directores, directores-adjuntos, a Direcção e os membros da equipe gestora [do ESM] são imunes de processos legais no âmbito das acções por eles conduzidas [enquanto operadores do ESM] e desfrutam de inviolabilidade em relação aos seus documentos.

Então, qualquer pessoa que tenha a ver com o ESM é intocável? Nunca podem ser acusados, qualquer coisas eles façam?

O tratado que estabelece o ESM obriga os Países a transferências do dinheiro dos contribuintes (o nosso dinheiro…) para uma organização que não pode ser incriminada, cujos pessoal goza duma imunidade perante tribunais, advogados, investigações; ninguém pode actuar contra o ESM, nem os parlamentos, nem os governos. Com o ESM a única lei reconhecida é a lei do ESM, organização formada por indivíduos nunca eleitos.

Numa única palavra: uma máfia.

O círculo fechado

Em Novembro passado, sem grandes artigos na imprensa (jornalistas, está ai alguém?), Mario Draghi, vice-presidente da Goldman Sachs para a Europa como já lembrado, substituiu Jean-Claude Trichet como governador do BCE, o Banco Central Europeu. Draghi não perdeu tempo e fez para os bancos o que o BCE tinha até então recusado fazer: mergulhar as instituições bancãrias num oceano de dinheiro com baixos juros.

O blog de Simon Thorpe relata:

Em 21 de Dezembro de 2011, o BCE “emprestou” 489.000.000.000 Euros aos bancos europeus, com uma generosa taxa trienal de juros de 1%.

Experimente o Leitor entrar num banco e pedir 1.000 Euros com uma taxa trienal não de 1 mas de 2% e depois veja a reacção do director.

O dinheiro foi distribuído instantaneamente: 523 bancos participaram no saque. O BCE espera que os bancos possam fazer algo útil com o montante: coisas tipo relançar as economias.

Mas então sobra uma pergunta: porquê o Estado grego tem de pagar uma taxa fixa de juros de 18% no mercado dos títulos para conseguir dinheiro, enquanto os bancos gregos podem obter dinheiro com 1% de juros? Porquê não “emprestar” o dinheiro directamente ao Estado Grego?

Com uma taxa de juros de 18%, a dívida dobra em apenas 4 anos. Este é um problema de juros, não de dívida. E são os juros que esmagam a Grécia e as outras Nações, não a dívida. Os Leitores têm que esquecer a dívida porque esta nunca foi e nunca será o verdadeiro problema: o problema sempre foram e sempre serão os juros.

Dúvidas? Leiam o artigo publicado ontem acerca da dívida italiana.

O governo de Portugal paga uma taxa de juros de 11,9%, o governo húngaro 8,53%, o governo irlandês de 8,51%, o governo italiano 7,6%.

A moral é simples. Os Países têm que continuar a pagar uma dívida que na realidade nunca poderão reembolsar dado o mecanismo dos juros. Desta forma, os “especuladores” ganham uns trocos (uns bons trocos, diga-se: experimente o Leitor fazer as contas com um capital que matura 11,9% de interesses…) enquanto nunca estarão em condição de decidir de forma livre a própria linha económica ou actuar maciços investimentos.

Ao mesmo tempo, os bancos obtêm dinheiro praticamente “de graça”.

E se o “investidor” for ao mesmo tempo “especulador” e “banco” (o que representa a normalidade na maior parte dos casos), o círculo fica fechado.

A Goldman Sachs e a restante elite bancária tomaram posse da União Europeia, com a cumplicidade das Mentes Pensantes de Bruxelas, de boa parte dos governos locais (caso Portugal), no total silêncio dos media. O ESM será apenas outro passo numa direcção que já está traçada.

E eu deveria festejar o 25 de Abril, Festa da Liberdade?
Devem estar a gozar comigo, com certeza…

Ipse dixit.

Fonte: Asia Times Online, Rischio Calcolato

2 Replies to “Goldman Sachs: pontinhos e círculos”

  1. What hell?!!!

    Primeiro o "Projecto de Pacto Internacional acerca do Ambiente e o Desenvolvimento" e agora isso?

    Os países e os presidentes não são e não valem mais absolutamente nada. São nada comparados a estes sistemas de domínio. Nós, as nações, somos apenas empregados,ou melhor, ESCRAVOS / MERCADORIA perante tudo isso.

    E a mídia.
    Perdeu totalmente o meu respeito faz tempo. Malditos, já fazem parte de tudo isso. Estes empresários donos da mídia e do ramo de comunicação e jornalismo merecem um belo cuspi na cara.

  2. Post semelhante, comentário igual. Transcrevo do blog da Fada: me fica cada vez mais claro que o sistema financeiro liderado pelos bancos norte-americanos globalizou a miséria no mundo.Nas Américas a ditadura midiática e a infiltração de seitas religiosas pentecostais a medida,mantém a situação dos negócios sobre controle para os interesses corporativos financeiros internacionais (com raras exceções). A África continua sendo o lugar da extorsão e o depósito do lixo internacional.No leste europeu e ex União soviética as corporações venceram a ditadura estatal que fechava os negócios em casa. No oriente médio, onde os estados foram mais reticentes, a "democracia econômica", lhes foi enfiado o neo liberalismo sob o terrorismo das bombas…então?Faltava a Europa, mas a partir deste abril, não falta mais, o que me leva a considerar que a saída fica mais estreita, e somente vinculada a revoluções sociais.Ouvi falar que o partido comunista da Grécia tem a pauta do que chama uma revolução estrutural na Grécia, mas não sei até que ponto conseguiria tornar a tal pauta operacional no país. Quanto a Portugal…parece que longe disso…Abraços

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