MMT – Parte III

E vamos com a terceira parte do MMT.
Cujas duas primeiras partes podem ser encontradas neste link e neste outro também.

Como sempre será o fiel Leo, o único cão licenciado na prestigiada quanto desconhecida Faculdade de Economia Aplicada e Disfarçada da Real Universidade do Alto do Índio, Almada (Portugal), a privilegiada guia nesta tenebrosa viagem ao coração da economia.

– Boa tarde Leo.
– Boa tarde para si e para todos os telespectadores.
– Não, nada de televisão, é sempre tudo por escrito.
– Nem a televisão…o teu é mesmo um blog miserável, sabias?
– Enfim, é o que temos…olha Leo, da última vez disseste que o dinheiro não tem valor, que na realidade é apenas um código. Podes explicar um pouco melhor?
– Sim, sim, tá bom…vou fazer um exemplo, pode ser?
– Isso mesmo, um exemplo.
– Então é assim. Tu, Max, vais ao banco e pedes um empréstimo de 50.000 Euros.
– E que faço com todo este dinheiro?
– Um estoque de bolachas, por exemplo.
– Ah, pois, não tinha pensado nisso.

– Dizia: pedes o tal empréstimo de 50.000 Euros e o director do banco que faz?
– Abre o cofre?
– Não, começa a rir. Depois vou eu, trago o registo de propriedade do meu canil no Algarve…
– Ehi, não sabia disso!
– Agora sabes. Trago o registo e o director concorda com o empréstimo. Abre uma conta onde logo deposita 50.000 Euros. Mas o que fez o banco?
– Uma injustiça, eu precisava do dinheiro para comprar as bolachas!
– Nada disso. Na verdade o banco carregou na tecla do computador e criou um valor electrónico: 50.000. Só isso. Não houve movimentação de dinheiro físico, não houve nada mais do que uma tecla carregada. Agora eu posso pegar no dinheiro com a promessa de devolve-lo num prazo estabelecido.
– Safados, tu e o banco…
– Mas que faço? No mesmo dia decido devolver o dinheiro todo: 50.000 Euros. Aliás, nem chego a pegar nele, não mexo na conta. O que acontece? Acontece que com uma outra tecla o banco apaga o empréstimo. Nada na verdade aconteceu: não houve empregados com sacos de dinheiro dum lado e do outro, tudo foi feito de forma virtual, o dinheiro foi criado de forma virtual e fisicamente nunca chegou a existir.
– Sim, mas se tivesses usado aquele dinheiro, depois teria sido preciso devolve-lo, e desta vez materialmente, com depósitos.
– Este é outro discurso, não interessa agora. Vamos com um segundo exemplo.
– E vamos.
– Imaginemos: tu vais no banco e desta vez o director concede o empréstimo.
– Como assim?
– Utilizei o meu canil no Algarve como garantia.
– Ah…obrigado Leo.
– Agora, tu entras num concessionário para comprar um carro.
– Um Mercedes, wow!
– Não, um Fiat de segunda mão, pois o empréstimo é apenas de 5.000 Euros. Pagas com um cartão electrónico (e aqui dinheiro não há) e o banco transfere o dinheiro que nunca existiu da tua conta para o banco do concessionário. Mas atenção: também o banco do concessionário trabalha com dinheiro “virtual”. Recebe do teu banco alguns dígitos e deposita na conta do concessionário alguns dígitos. Estes dígitos representam os 5.000 Euros que pagaste para comprar o carro: mas são apenas dígitos, os que saem do teu banco e os que entram no banco do concessionário e na conta dele. Nunca houve dinheiro verdadeiro envolvido, tudo foi feito de forma electrónica, virtual.
– Então nunca houve dinheiro físico transferido.
– Não, nunca. Estes exemplos servem para perceber quanto dissemos da última vez: o dinheiro não é a verdadeira riqueza, é só e unicamente um instrumento. Quem afirmar o contrário simplesmente não percebe como funciona a economia. Mas ainda não acabamos.
– Não?
– Pois não. Tu agora tens o teu Fiat de segunda mão, mas tens que devolver o dinheiro ao banco.
– Ah, pois é.
– Então: tu trabalhas e parte do teu ordenado, que é depositado na tua conta de forma electrónica, vai para as prestações do carro. O teu banco recebe este dinheiro para abater a dívida, mas tudo de forma electrónica, virtual. O teu patrão não deposita fisicamente o teu ordenado na conta, diz ao seu banco para fazer isso: e já sabemos como, com teclas. Depois há a questão dos juros, mas estes também são impulsos electrónicos, códigos abstractos. Nada é concreto, nada é real.
– Ó Leo, mas desculpa: o que é que dá valor ao dinheiro?
– Max, tu não percebes nada. Acabei de mostrar-te com dois exemplos que o dinheiro não tem valor, é apenas um instrumento.
– Mas então porque todos trabalhamos para obter cada vez mais moedas e notas? Se todos fazemos isso é porque o dinheiro terá algum valor, não é?
– Não: fazemos isso porque o dinheiro representa um valor. Esta é a grande diferença. Não “é” valor mas “representa” valor. Isso acontece porque o Estado aceita a moeda que emite também como forma de pagamento. Aliás: o Estado aceita só e unicamente o seu dinheiro. Quando pagas os impostos no Brasil, por exemplo, o que utilizas?
– Eu não pago impostos no Brasil, já chegam aqueles de Portugal.
– Max, é só um exemplo…
– Ah, isso…então uso Reais.
– Exacto. Não podes pagar os impostos no Brasil com os Dólares dos Estados Unidos ou com os Yen do Japão. O Estado brasileiro aceita só o seu próprio dinheiro, o Real. Cada Estado faz a mesma coisa.
– Cada Estado aceita Reais? Não sabia…
– Não, cada Estado aceita apenas a sua própria moeda!
– Ah, ok, ok…
– E mais: o valor é dado também pelo facto que o banco central e os bancos comerciais aceitam e reconhecem como válida a moeda emitida pelo Estado.
– Então deixa ver se percebi. O dinheiro é uma representação do valor e este papel de “representação” é validado pelo Estado, que aceita o seu próprio dinheiro como forma de pagamento, e pelo banco central mais os bancos comercias que reconhecem ao dinheiro o mesmo valor do Estado.
– Até que enfim…
– Mas o que significa isso?
– Bem me parecia. Bolacha.
– Toma.
– Pergunta-te: porque tanta gente trabalha para obter o dinheiro que o Estado reconhece? Não seria melhor imprimir uma nossa moeda, troca-la entre nós, começar a aceita-la? Afinal qualquer um poderia inventar uma nova moeda. Em vez do Euro, a partir de hoje vamos utilizar o Leoro.
– Não parece mal…
– Não parece, mas há um problema: o Estado não aceitaria os Leoros para o pagamento de taxas e impostos. Então seria preciso trabalhar meio dia para ganhar o Euro e meio dia para ganhar o Leoro. Um caos. Nós somos obrigados a trabalhar para ganhar a moeda que o Estado reconhece.
– “Nós”? Tu nunca trabalhaste na vida…
– Faço a guarda e sou a mente do blog.
– Grande coisa!
– O segundo ponto também é claro e consequência do primeiro: se o Estado reconhece apenas uma moeda, o mesmo se passa com o banco central e os bancos comerciais. Qualquer pagamento ou transacção com moeda não reconhecida seria nulo.
– Mas esta é uma tirania!
– Achas? Voltemos ao princípio. Lembras o que eu disse acerca do dinheiro?
– Nem por isso.
– Disse que o dinheiro é uma promessa. Cada moeda, cada cêntimo, não têm valor em si, pois o dinheiro é apenas um instrumento. Para ser mais precisos: é uma promessa feita pelo Estado. O Estado emite uma moeda e com esta afirma “Eu, Estado, prometo dar algo ao utilizador desta moeda”. Mas este “algo” é o quê?
– Ouro?
– Maaaaaax!
– Ah, tá bom, tá bom, Bretton Woods, Nixon, fim do Golden Standard…
– O Estado promete outra coisa e só uma: promete aceitar esta moeda como pagamento das suas taxas e impostos.
– Ehhhhhh?!?
– Isso mesmo. Nada mais, nada menos.
– Só isso? É uma loucura! Mas como? O Estado inventa uma moeda, depois obriga o pessoal aqui a trabalhar para ganhar a mesma moeda com a qual poder pagar as taxas?
– Sim, é isso. E faz todo o sentido. Reflecte: se não houvesse este sistema, quem trabalharia pelo Estado? Quem ficaria na função pública? Os privados, qualquer um deles, poderiam inventar uma nova moeda, concorrente da moeda do Estado, seria o caos total. E trabalhar por conta do Estado porquê? Um privado poderia oferecer mais, com uma moeda mais forte, por exemplo. Haveria uma espécie de regresso ao sistema feudal, com os senhores locais, donos das próprias moedas.
– Sim, mas com o sistema que temos agora o que acontece? Acontece que o Estado fica sempre cheio de dívida e que os bancos privados ficam cada vez mais ricos. Não é quase a mesma coisa? Uma vez havia o senhor do feudo, hoje há a riqueza despropositada dos bancos que aproveitam da moeda do Estado.
– Em verdade, em verdade vos digo: esta é uma ideia errada.
– Como assim?
– Os seres humanos crescem com uma ideia bem enraizada nos cerebrinhos: o dinheiro é que tem valor, portanto os bancos são riquíssimos. Mas esta ideia é profundamente errada. Aliás, no mundo dos negócios ter um banco significa ter uma empresa com uma margem de lucro bastante baixa.
– Ó Leo, estás bem? Que estás a dizer? Tens febre?
– Max, pensa nisso: lembras de como nasceu esta crise?
– Sim, claro, falámos tantas vezes do assunto no blog: os subprimes nos Estados Unidos, a crise de 2008, os bancos falidos.
– Exacto. Os bancos dos Estados Unidos tentaram tornar-se bancos de investimentos, com apostas especulativas particularmente arriscadas. E faliram.
– Safados…
– Mas porquê? Porque um banco privado, que tem os próprios clientes, os empréstimos, tem de tornar-se um banco de investimentos?
– Ganância!
– Não. Os banqueiros perceberam que operavam numa espécie de “Segunda Divisão”. É a divisão das contas bancárias, dos mútuos das casa, dos empréstimos para comprar o carro. Mas há uma “Primeira Divisão”, onde os ganhos são bem superiores: é esta a divisão da especulação financeira. Não é possível comparar os lucros da actividade meramente bancária com os lucros da especulação: é com a especulação que é possível acumular riqueza, não com a actividade dum banco. E isso por qual razão?
– Já sei: porque o dinheiro não é verdadeira riqueza.
– Olha, começas a entender alguma coisa…bolacha, please.

Ipse dixit.

MMT – Parte I
MMT – Parte II
MMT – Parte IV (em breve)

5 Replies to “MMT – Parte III”

  1. Ola MAX,

    Legal a gente entender como funciona mesmo a economia. Tenho uma sugestao: Fica meio dificil para uma pessoa acreditar que com uma tecla se cria dinheiro. Se fosse possivel, inclua alguma coisa de contabilidade. Por exemplo: A promessa de pagar entra no passivo como "Obrigacoes a receber no Curto Prazo" (do clinte) e no ativo "Saldo em conta corrente" (do cliente). Ai sim fica mais facil ver como que se cria o dinheiro.

    Ademais, sempre atualizo meus conhecimentos em seu blog. Muito bom para abrir a mente e ver coisas que passam despercebidas.

  2. Olá Max: continuo achando o Leo um ótimo professor, e por sinal, ele fica muito bem na foto, de perfil, concentrando-se frente a orla do Tejo. Abraços

  3. Vou ter de comprar ao Leo um pacote de bolachas quando terminar a serie MMT. É merecido

    Krowler

  4. Olá,

              Você está na necessidade de empréstimo ?? você pode obter os seus problemas resolvidos quando executá-lo. Eu sou a Miss Anna. De Portugal, na semana passada, na segunda-feira que está buscando empréstimo para pagar minhas contas, então eu tenho nas mãos de golpes diferentes e eu estava golpes por credor diferente, se não fosse para a senhora, Mercy é meu bom amigo me apresentar Mr. Larry Jeff (CEO) Larry Jeff empréstimo Company, e ele me ajuda com um empréstimo de 50.000 dólares e stress. Então, minhas boas pessoas de Portugal, você pode contatá-lo via e-mail: larry.jeffloan4@gmail.com E não se esqueça de dizer-lhe, submeto à sua empresa

  5. Pingback: MMT - Parte I -

Obrigado por participar na discussão!

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