Os partidos: associações privadas com fins lucrativos

Dinheiro público para os partidos políticos?

É costume. Nas democracias mais “avançadas” (no comment), os partidos políticos são financiados com o dinheiro dos cidadãos. E esta forma de financiamento é vista como normal. Coisa que eu interpreto, pelo contrário, como uma aberração.

Mas, como sempre, vamos com ordem.

As origens

Wikipedia (versão portuguesa) associa o termo “partido” aos movimentos políticos das antigas Grécia e Roma, o que é uma enorme bestialidade. Na verdade, o partido como instituição nasce na Inglaterra com a Revolução Industrial (final do séc. XVIII): com o alargamento do número dos eleitores nascem organizações difundidas no território, com um sistema de comunicação entre centro e periferia, na tentativa de obter o apoio popular, o poder local e nacional.

Aqui encontramos o termo fundamental: poder.

É por isso que os partidos lutam entre eles, é por isso que existem. É interessante realçar o facto que os “pais” do sistema liberal-democrata, como Stuart Mill, Locke ou Montesquieu, nunca falaram de partidos políticos ao tratar da liberal-democracia. E até o ano 1920, nenhuma Constituição liberal-democrata considerou os partidos. Porquê?

Porque o pensamento liberal queria valorizar as capacidades, os méritos, as potencialidades do indivíduo, não dos partidos. Estes são um subproduto da democracia, não uma componente central.

Eu sei que isso é contrário ao sentimento comum: mas democracia vem do grego δῆμος (démos: povo) e κράτος (cràtos: poder) e etimologicamente significa “governo do povo”.

O “governo do povo” é coisa diferente do “governo dos partidos”, que tem outra definição: partitocracía.

Na verdade, a linha que separa o “governo do povo representado pelos partidos” e a “partitocracía” é muito subtil: mas a experiência ensina que cedo os partidos entram na posse dum poder que ultrapassa em alguns casos os poderes constitucionais; e não são raros os casos em que os partidos tomem decisões que modificam as indicações da Constituição sem que o povo seja interpelado (exemplo: a ratificação do Tratado de Lisboa na União Europeia). Quando isso acontecer, é lícito falar de partitocracía, pois é este sistema político que tem o próprio centro de poder nas associações partidárias.

Seria preciso discutir acerca de como o poder possa ser exercido pelo povo, se isso é possível apenas com os partidos ou se poderiam existir outras formas; mas não vamos enfrentar a questão agora, pois seria preciso introduzir novos conceitos (como o de “democracia directa”, por exemplo) e, sobretudo, o discurso seria bem mais comprido.

Voltemos ao conceito de financiamento público dos partidos.
A ideia que está na base é a seguinte: se os partidos políticos forem apoiados financeiramente pelo Estado (isso é, com o dinheiro de todos), já não precisam recorrer às ajudas de outras entidades, como grandes empresas ou corporações: isso, em princípio, garante a independência dos partidos, que podem tomar decisões só em favor do povo e não das empresas privadas que contribuem economicamente.

A ideia em si até tem lógica. Mas, como sempre, a teoria é uma coisa, a prática é outra.

Os partidos como patologia

Nos primeiros anos da década de ’70, os Italianos foram chamados a votar para decidir se financiar os partidos com dinheiro público ou se não. A teoria apresentada era mesmo esta: dinheiro público = partidos independentes. A proposta foi aprovada e em 1992, com a operação Mani Pulite (Mãos Limpas) percebeu-se que não apenas o financiamento público não tinha eliminado os problemas mas, pelo contrário, estes eram aumentados.

Além de receber dinheiro dos Estados Unidos (partido da Democrazia Cristiana) e da União Soviética (Partito Comunista), os partidos angariavam fundos com a corrupção: de facto, os partidos tinham-se tornado enormes máquinas que distribuíam não apenas poder mas dinheiro também.

Em 1993 outro referendo, desta vez para a abolição do financiamento público, proposta que foi aprovada com 90% das preferências. Os partidos desapareceram? Nem por isso.

Sendo a Italia uma partitocracía, como a maior parte das democracias “evoluídas” (no comment), os partidos introduziram o reembolso das despesas eleitorais, o que triplicou o total do dinheiro que os cidadãos devem agora pagar para manter estas associações, tornando nula nos factos a decisão do referendo.

Mas os partidos são associações privadas e não existe nenhuma razão pela qual tenham que receber dinheiro dos cidadãos. Cada partido tem os próprios apoiantes, militantes, simpatizantes, inscritos: estes deveriam pagar o sustento do partido de referência, não a comunidade.
O que a lei deveria fazer é simplesmente proibir o financiamento por parte das empresas, pois não há “almoços grátis” e se uma empresa entregar dinheiro é porque quer algo em troca.

Na forma actual, os partidos não são a essência da democracia, são a patologia dela.

Hoje os partidos são lobbies e autênticas máfias que favorecem os próprios membros, criam “feudos”, posicionam elementos nos pontos-chave das instituições não apenas políticas como também económicas e financeiras, para tirar proveito destas situações; palavras como “valores”, “ideais”, “bem comum” ou “inovação” não fazem parte do vocabulário deles.

Numa recente sondagem, em Italia apenas 8% da população acredita nos partidos.
Porque será?

Ipse dixit.

Fontes: Wikipedia, Massimo Fini

3 Replies to “Os partidos: associações privadas com fins lucrativos”

  1. Até onde sei, os partidos nasceram para ter uma diretriz, uma ideologia, e aí sim lutar por este conceito. Se um partido é comunista, em tese lutariam pelo comunismo. Se trabalista, pelos trabalhadores. Aqui no Brasil os partidos perderam completamente esta noção. Temos como exemplo o PMDB, o partido mais populoso da minha nação, mas que serve somente para apoiar o partido vencedor nas eleições presidenciais, seja PT como agora ou PSDB como outrora. Alguns integrantes lunáticos, como Roberto Requião, ainda acham que estão no "velho MDB de guerra", partido que está para o PMDB tal como o cravo está para o piano.

    Mas enfim, não sei se acredito em partidos. Nos atuais não acredito com certeza. PT não é mais dos trabalhadores, o PSDB não é nem de longe social-democrata. E agora tem o tal do PSD, talvez uma cópia do PMDB. Sem contar nos nanicos, que estão entre comunistas extremos, fazendeiros ricos.

    Mas no conceito de partido, não sei em que acreditar, fico em cima do muro.

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