Bancos: o problema do crédito

Os bancos não emprestam dinheiro.

Apesar dos vários Quantitative Easing (prática com a qual os bancos centrais deitam rios de dinheiro no sistema bancário e, supostamente, na economia), os bancos continuam a não fornecer crédito. Esquisito: um banco deveria existir apenas em função do crédito, é o trabalho dele. Mas a verdade é que este rio de dinheiro não consegue alcançar a economia real, fica por cima das nossas cabeças, como preso numa rede qualquer.

Então algo não bate bem. Tentamos perceber o quê.

Tentemos raciocinar como um banco. Sim, eu sei, isso pode implicar danos até graves  e permanentes ao sistema neuronal, mas neste caso é preciso.

Cada empresa privada trabalha na perspectiva do lucro; e os bancos não são uma excepção, os bancos são empresas privadas. Por isso, o banco empresta dinheiro se houver a perspectiva de ganhar com esta operação.

A+B+C

O problema do banco é o seguinte: com qual taxa de juros é razoável emprestar dinheiro hoje?
Simplificando, o taxa nasce da avaliação de três componentes:

  • A o custo do dinheiro
  • B o risco financeiro
  • C a margem de lucro

Assim, o banco tem que considerar A, quanto custa o dinheiro (pois o dinheiro não é “de graça”), B o risco (há emprestimos mais arriscados do que outros, o banco até pode não ver voltar o dinheiro emprestado), e C
a margem de lucro (pois o banco quer ganhar algo nesta operação de empréstimo: A+B+C.

Observemos mais em pormenor estes componentes.

A economia dos Países “avançados” não funciona. Desta forma, mesmo que os bancos centrais mantenham o custo do dinheiro baixo (A),  verdadeiro problema reside em B, o risco financeiro. Economia que não funciona significa empresas com menos vendas; menos vendas significa menos dinheiro e menor capacidade de reembolsar os créditos obtidos. E atingidas são sobretudo as empresas pequenas e médias, as que mais necessitam de crédito.

O resultado é que por cada 100 Euros emprestados, em média os bancos conseguem obter de volta não 100 mas um pouco menos, pois é necessário incluir os empréstimos devolvidos como também os não devolvidos.

Um caso concreto: Italia.
Hoje o risco financeiro dos bancos em Italia é de 12%. Isso significa que por cada 100 Euros emprestas, são reembolsados 88 € (mais juros).

E no resto da Europa? E nos Estados Unidos? A situação pode ser melhor ou pior, mas não de muito. O que conta é salientar que em 2009 (ano já muito complicado) o risco era apenas de 3%.
Apesar das intervenções das várias Federal Reserve e Banco Central Europeu, ninguém consegue reactivar o ciclo do crédito porque as dificuldades têm feito subir B, o risco.

Então o banco, que não gosta de riscos mas gosta de lucros, diz: “Mas porque raio tenho que emprestar dinheiro a estes mortos de fome quando posso fazer o mesmo, com menos riscos, com outros clientes que problemas não têm?”.

É um problema real: mesmo imaginando um banco que decida trabalhar com uma margem de lucro de 0 (zero), por cada operação de empréstimo o risco permanece no 12%: isso é, o banco empresta 100 e pode ver devolvidos 88. Pouco, muito pouco.

Assim o banco ganha a fama de emprestar dinheiro a quem já dinheiro tem. O que nesta altura é mais verdadeiro do que nunca.

Bancos e bananas

Mas com os lucros gerados pelo trading (pois os lucros dos bancos não chegam só da actividade de empréstimo), o banco não poderia compensar o risco financeiro ligado ao crédito?
Sim, poderia. Mas…

Mas tenho descoberto que o dono da loja onde costumo comprar a fruta encontrou um novo fornecedor, com bananas mais baratas.
Tenho dito: “Olha, já que agora ganhas mais com as bananas, poderias vender-me as laranjas mais baratas, não é?”. E ele: “Sim, e tu poderias mudar de loja. Adeus”.

Mas como chegámos até esta situação? Como é possível que os bancos sejam uma componente tão importante (até fundamental) que delimita as capacidade de retoma duma economia ou até dum conjunto de economias?

História comprida, sem dúvida. Para simplificar: aceitámos que os bancos fossem a “correia de transmissão” das economias e do crescimento (ah, o eterno crescimento…), pedimos bancos cada vez mais eficientes e capazes de criar valor, permitimos bancos cada vez mais autónomos e importantes. O que determinou um mundo cada vez mais banco-dependente.

Um sistema que evidentemente não funciona tão bem.

Ipse dixit.

Fonte: Bimbo Alieno

4 Replies to “Bancos: o problema do crédito”

  1. Olá pessoal: alguém aí teria interesse de saber como pode funcionar uma cooperativa de crédito popular? Ou um banco que não pratique a "usura"? Eu gostaria de esclarecimentos do Max/Leo a respeito.
    Recentemente o Tibiriça postou uma experiência de grupo indígena nos EUA muito interessante.
    Cadê as manifestações neste Botequim do BURGOS, da Fada, do Voz, e alguns outros sumidos?

  2. Olá maria, isso seria bastante interessante. Já tens o exemplo do banco Sueco 'JAK'. Eles funcionam assim. Em Portugal também já existem planos a de criar uma cooperativa de crédito.
    Decididamente, a usura deu cabo de muita coisa …

    Beijos e Abraços,

    R. Saraiva

  3. Há pouco tempo andava um grupo em Portugal, muito interessado em criar o BSJ – BANCO SEM JUROS, à imagem do JAK BANK Sueco.

    Vi muito entusiasmo no projecto mas actualmente não sei como estão as coisas. Acho uma ideia interessante mas dificil e morosa de implementar. Afinal estamos a lidar com pessoas e a boa vontade por sí só não chega. Desejo sucesso aqueles que apostarem em projectos deste género.

    Abraço
    Krowler

  4. Maria, no Br temos várias coop de crédito e é possível que você consiga as informações com o SEBRAE. Porém basicamente funciona por cotas individuais, como é credito cooperativo, não tem um dono pois todos são donos com participação por cotas. Há registro no BC e tudo é decidido em assembleias como em todas as cooperativas (sérias). O SEBRAE ministra cursos de Cooperativismo e (acho, mas não asei com certeza)deve ter como informar sobre coop de crédito (Muito Bom Isso). abraços

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