Greetings from Guantanamo

Dez anos atrás, Omar Deghayes e Morris Davis teriam parecido um casal muito estranho. Embora nunca se encontraram, agora compartilham um vínculo profundo, cimentado pelo tempo gasto na prisão dos Estados Unidos: Guantánamo, a antiga Port Grande de Cristoforo Colombo.

Guantánamo é uma base do marines em território cubano. Em 1903, o então presidente de Cuba Tomas Estrada Palma ofereceu aos Estados Unidos um contracto de locação permanente, com completa jurisdição e controlo por parte de Washington, tudo em troca de 2.000 Dólares de ouro anuais. Cuba nunca reconheceu a validade do acordo, mas Guantánamo era e continua a ser a única base norte-americana num País comunista.

E desde Janeiro de 2002, com a administração Bush, foi aberto uma prisão no interior da base, tendo como fim a detenção de pessoas suspeitas de actividades terroristas.

Cuba Deghayes era um prisioneiro enquanto o coronel da Força Aérea Morris Davis chefiou a a comissão militares em Guantánamo desde 2005 até 2007.
Deghayes foi preso no Paquistão e explica:

Pagavam por cada pessoa entregue aos EUA […] Nós fomos acorrentados, cobriram a nossa cabeça e, depois, fomos enviados para Baghram [no Afeganistão, ndt]. Fomos torturados e, em seguida, enviados de Baghram para Guantánamo.

Em Guantánamo, Deghayes, um dos cerca de 800 homens enviados em Janeiro de 2002, recebeu o tratamento padrão:

As pessoas eram batidas, um terror diário […] sem ser acusado de qualquer crime.

Porque Guantánamo é uma prisão especial: detém pessoas suspeitas, aprisionadas sem julgamento. 
Enquanto Omar Deghayes e os seus companheiros estavam sofrendo nas celas, a administração Bush instituía um molde jurídico para os prisioneiros de Guantánamo. Foram classificados como “combatentes inimigos”, afirmando que não deveriam ter a protecção da Constituição dos Estados Unidos e nem a Convenção de Genebra. Resumindo: nenhum direito.

Guantánamo tornou-se um buraco negro legal.
Há tortura na prisão? Responde o coronel Davis:

Acho que não pode haver dúvida. Pode-se dizer que sim, houve tortura.

Susan Crawford, protegida de Dick Cheney, disse que houve torturados. John McCain disse que o waterboarding (afundar a cabeça dum preso numa sanita cheia de água, até quase o afogamento) era uma tortura, e admitiu que havia. Em total, houve pelo menos cinco juízes de tribunais federais e autoridades militares que afirmaram que os detidos foram torturados.

Acorrentados, fechados em gaiolas, com o fato laranja, sujeito a duros interrogatórios e humilhações, ridicularizado por causa da religião muçulmana, os prisioneiros de Guantánamo começaram a fazer uma batalha, através da tradição antiga e honrosa da não-violência e da não-cooperação. Começaram uma greve de fome. Em resposta, os grevistas como Deghayes e outro receberam uma punição exemplar.
Lembra Deghayes:

Após ter sido batido na cela, arrastaram-me para fora e, uma vez lá, um dos guardiões, enquanto o outro ficava a observar, tentou arrancar-me os olhos Por isso tenho problemas num dos olhos, o olho direito. […] Perdi a visão nos dois olhos e, em seguida, lentamente, recuperei dum lado, mas o outro piorou drasticamente. Fizeram a mesma coisa na cela ao lado, e abaixo e na seguinte[…] mesmo para assustar a todos, para que não houvesse nenhuma queixa ou resistência.

Agora, Deghayes pode ver com um olho. O olho direito está fechado. Depois de ter sido libertado, foi enviado para a Inglaterra e agora está a processar o governo britânico que colaborou na sua captura e tortura.

O coronel Morris Davis, indignado com a conduta dos tribunais militares, renunciou ao seu posto em 2007 e em 2008 retirou-se do exército. Foi trabalhar no Serviço de Pesquisa do Congresso e foi demitido em 2009 depois de ter escrito um artigo no Wall Street Journal com o qual criticava a administração de Obama por ter adoptado os tribunais militares.

 Deghayes diz que centenas de homens que deixaram de Guantánamo nos últimos 10 anos foram libertados graças à pressão que os grupos de base exercem sobre os governos. É por isso que houve mais de 350 manifestações no décimo aniversário de Guantánamo. 171 homens ainda são mantidos em Guantánamo, mais de metade foram absolvidos e a libertação foi preparada, mas ainda continuam a apodrecer na prisão.

Para tornar as coisas ainda piores, com um gesto que o coronel Davis descreve como um “acto de covardia total”, o presidente Barack Obama assinou o National Defense Authorization Act, que dá ao governo dos EUA o poder de deter alguém indefinidamente, mesmo sem ter estabelecido uma imputação. Davis explica que “não e´apenas um desvio drástico da política dos últimos anos, só que agora tornou-se lei”.

Poder deter e até matar se for o caso. Tudo em nome da “ameaça”. Não de provas, mas de ameaça. E sem julgamento, claro.
Explica o simpático Obama:

O facto de eu apoiar esta lei como um todo não significa que eu concorde com tudo nela. Em particular, assinei com fortes reservas sobre algumas disposições que regulam a detenção, o interrogatório e o julgamento de suspeitos de terrorismo.

Muito comovente, sem dúvida. O que conta é que assinou, e assinou mesmo perante as flagrantes violações da Constituição Americana e do Direito Internacional. 

E sim, é mesmo ele: Barack Obama, prémio Nobel da Paz.

Greetings from Guantanamo.

Ipse dixit.

Fonte: Truthdig

8 Replies to “Greetings from Guantanamo”

  1. olá Max: não sei se ainda estarei aqui pelo planeta neste tempo, mas tenho certeza que um dia não haverá Guantânamo, ou os campos da FEMA nos EUA. Simplesmente porque todo o país será uma imensa prisão não oficial, mas funcionando como tal. Aí, um ou outro fugitivo, quando alcançar a fronteira do México, que nesse tempo fará parte do grande conglomerado América Latina e Caribe, comparecerá as mídias sulistas para declarar o arrependimento do povo americano do norte por ter apoiado o famigerado e mentiroso combate ao terror. E ainda vão ter a cara de pau de dizer que não sabiam que o terror era gestado nas entranhas político-econômico-militares da sua grande democracia. Abraços

  2. Maria

    Mas Bah Tchê!!!

    Essa foi boa, espero sinceramente que seu comentário se realize.
    Espero estar vivo também quando esse dia chegar.

    Um grande abraço minha amiga

  3. "Guantánamo tornou-se um buraco negro legal." Bem esta indirecta ao Barraca Obama foi forte… ihihihih

    Maria minha querida… ainda estou a recuperar-rar-rar-rar do "system crash" que o meu cérebro sofreu ao ler o teu comentário eheh… maria… Tu és maria! E podes crer que verás o que descreves pois 'O Tempo Chegou…' para os tóinos americanos aprenderem a lição fundamental da Democracia…

  4. Não acredito que algum dia este planeta se torne uma prisão como Guantanamo , nem que situações dessas se generalizem pelo mundo, apesar de Guantanamo ser a génese do império Americano, nenhum império conseguiu essa velha ambição, a natureza humana tal como a água encontra sempre o seu curso . Apesar de o império parecer ganhar em todas as frentes, também Romanos, Cruzados, Nazis e outros que tais quase que pareciam conseguir antes de desabarem por completo, aprendi por mim mesmo que é quanto a vitória parece certa que se sofrem as piores derrotas, do mesmo modo é exactamente quando tudo parece perdido que surgem as melhores soluções, as dificuldades sempre aguçaram o engenho humano. É fundamental conhecer a história para compreender o presente e preparar o futuro. A escravatura do homem pelo homem é uma ideia que repugna qualquer ser humano digno desse nome, recordo-me muitas vezes do célebre “triunfo dos porcos” de Orson welles é uma metáfora perfeita, admito que as coisas possam ainda piorar antes de melhorar, mas acreditar na derrota, nunca! Antes morrer em combate que admitir existir como escravo .

  5. A recente lei sancionada por Obama, o NDAA – lei que permite, sem direito ao devido processo legal, a detenção por prazo indeterminado de cidadãos americanos suspeitos, por qualquer motivo que bem pareça ao Presidente, de colaborar com o terrorismo –, expõe a faceta totalitária daquele governo, cujas características, em qualquer outro país da América Latina, África ou Oriente Médio seriam rapidamente rotuladas pela mídia ocidental de ditatoriais, bem como ensejariam razões suficientes para algum pedido cínico de sansões na ONU. Mas, como é a “América” toda poderosa, a mídia “alinhada” não estranha, assim como não estranhou o “Patriot Act”, o “Military Commissions Act” e o que está para vir em breve: o “Enemy Expatriation Act”, que permitirá que sejam expatriados os americanos considerados pelo presidente, também sem o devido processo legal, como inimigos do Estado. Mas, é claro que tudo isso é “justificável” apenas hasteando-se a falsa bandeira da “Guerra ao Terror”. Então, me perguntam: mas que diabos você, um brasileiro, tem a ver com tudo isso? Que direito você tem de questionar o que acontece com os americanos dentro do seu país? Oras, bolas… Quando os Estados Unidos se retirarem do Atlântico Sul, movendo para muito longe do litoral brasileiro os seus navios de guerra que formam a quarta frota naval americana, e pararem de se imiscuir nos assuntos internos de todas as outras nações do globo, eu responderei: – Nada e nenhum! Mas, até que isso aconteça, tenho todo o direito de criticar um governo que se imagina a polícia do mundo, mas que não passa de um governo cínico que usa desavergonhadamente seu poderio bélico e militar para interesses flagrantemente mercadológicos, invadindo e espoliando nações militarmente mais fracas. Há algum tempo, seja num governo Democrata, seja Republicano, esse é o novo sonho americano: ter a melhor democracia que o dinheiro, as bombas e o sangue humano podem comprar. E, segundo eles, tudo com as bênçãos de Jesus, é claro.

  6. Voz

    Já vou aumentar o meu estoque de canivetes atômicos, estou vendo que aos poucos meu batalhão vai colocar ordem nesse mundo.

    E onde será que anda o meu 1° Oficial Walner? Será que resolveu debandar?

    Só espero que ele não esteja a fazer o mesmo que nossos "irmãos" Yanques que andam a urinar no mundo.

Obrigado por participar na discussão!

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