Democracia electrónica?

Democracia electrónica?
Poderia ser.
Mas há alguns problemas. Aliás, muitos.

Em primeiro lugar, a ideia da democracia electrónica subintende o corolário segundo o qual a nossa sociedade pode continuar nos actuais moldes: recursos energéticos como os presentes, todos com ligações internet, um sistema político representativo.

Admitindo que a disponibilidade energética não mude, e que para todos seja possível continuar a utilizar internet também no futuro, deve ser resolvida a questão da representatividade: que é cancro da democracia.

 Democracia directa

Sei que alguns Leitores não concordam com esta visão, mas eleger indivíduos para que esqueçam as promessas eleitorais e ao longo de alguns anos possam fazer o que lhe apetecer (ou melhor: o que lhe for mandado por outros) significa que a vontade do cidadão conta menos do que nada. Que, olha o acaso, é mesmo a situação actual.

A democracia representativa, um conceito razoável em teoria, é a verdadeira prisão dos povos e deve ser ultrapassada. Com a democracia electrónica? Sim, pode ser.

Óbvio, nesta altura falamos de democracia directa: os cidadãos são chamados para decidir acerca das coisas do País.

Complicado? Muito.
Não do ponto de vista técnico, pois hoje já existem os instrumentos para isso. O problema reside na capacidade do povo de decidir acerca de questões delicadas como, por exemplo, um plano energético.

Imaginemos que a questão seja: “Cidadãos, desejam que para o futuro energético do nosso País a aposta seja a nuclear?”
A resposta duma consulta eleitoral como esta seria óbvia: “Não, obrigado”.
Correcto, hoje em dia o nuclear não compensa, por várias razões.
Mas imaginemos também que no prazo de muitos poucos anos seja descoberta a maneira de tornar as centrais nucleares realmente rentáveis (hoje não são) e seguras (hoje não são): que faria o povo? Pensaria “Olha, o nuclear agora é seguro, vamos a isso” ou continuaria a decidir tendo como base o lado emocional (Chernobyl! Fukushima!)?

Podemos cortar o problema desde o início e afirmar que “o povo é soberano”, portanto a decisão dele deve ser respeitada em qualquer caso. Mas faz realmente sentido? Mesmo que seja uma escolha prejudicial?

Afinal um sistema político não deveria ser motivo para poder escolher sempre o melhor em prol da comunidade? Nós, que somos parte do mesmo País, podemos ver como a escolha da maioria esteja errada, o que implica menos investimentos em áreas essenciais, menos possibilidades de riqueza e desenvolvimento, até atrasos quando comparados com outros Países: e mesmo assim não haveria nada a fazer, porque “a vontade do povo é que manda”.

O povo é burro?

Algo não bate certo. Porque além da questão energéticas há outras, muito mais complicadas.
Isso significa que o povo é burro? Não: significa que cada um de nós tem as próprias competências e que não podemos saber tudo. Nem seria humano.

Dito assim, parece que afinal o actual sistema possa ser considerado como o melhor compromisso. Ou o mal menor.
Eu não aceito esta visão, em primeiro lugar porque parte duma premissa falsa: que as pessoas eleitas sejam competentes. Mas não são, longe disso. É suficiente olhar para um governo qualquer e reparar facilmente como a maioria dos ministérios sejam dirigidos por pessoas que nada têm a ver com o ministério em questão. Temos advogados que tratam do ambiente, juízes que falam de saúde, economistas que cuidam da energia.
Imaginem ir ao padeiro e encontrar atrás do balcão um mecânico. É a mesma coisa.

Poderia ser possível imaginar um sistema onde os vários ministérios sejam ocupados por lei por pessoas especialistas das respectivas áreas. Mas além de nunca poder ter a certeza de ter escolhido a pessoas com as ideias melhores, encontramos os outros problemas da democracia representativa. Que não são poucos.

Escrevia Norberto Bobbio, historiador e filósofo italiano (1909 – 2004), que a democracia tinha nascido com a ideia de afastar para sempre o poder invisível e permitir governos com acções públicas. E antes dele também Immanuel Kant (1724 – 1804) ) tinha escrevido acerca disso.

Passados séculos, ainda estamos perante governos que são apenas a parte visível dum poder escondido e que gere a sociedade não permitindo a livre participação e escolha doso cidadãos. Aliás, nas últimas décadas tal situação tem vindo a piorar.

O regresso da política

É tempo de começar a pensar em algo de novo. A democracia representativa demonstrou todo os seus limites e os grandes perigos que implica.

Acho que a democracia electrónica, ou democracia directa, possa representar hoje a melhor solução, apesar de não ser perfeita. Provavelmente o futuro será composto por uma democracia directa actuada em pequena escala: o problema continuará a ser a “grande” escala. Aqui será possível encontrar os problemas acerca dos quais foi escrito antes, que podem ser reconduzidos a uma pergunta: quem decide as questões?

Limitar tudo a uma mesa de voto electrónica, na qual o cidadão pode carregar nas teclas “Sim” ou “Não” é um bocado assustador. Aliás, muito assustador: o cidadão poderia transformar-se em carnífice da própria sociedade, até fantoche nas mãos dum sistema mediático oportunamente controlado. O cidadão carrasco de si mesmo.

Seria a morte da política. A bem ver, o mesmo objectivo que os actuais “poderes invisíveis” querem alcançar.
A ideia é que a democracia electrónica não pode ser a solução, mas apenas uma parte da solução, acerca da qual é preciso ainda trabalhar: a política, que apesar de ter sido muito maltratada e que não deve ser confundida com a ideia de “partidos”, não é coisa mal (pelo contrário!) e  não pode desaparecer.

Que acham os Leitores? Sugestões?

Ipse dixit.

10 Replies to “Democracia electrónica?”

  1. …No Maranhão(Brasil), assim como em vários estados da federação, emissoras de rádio e TVs estão nas mãos da classe política.Nos últimos 20 anos, o Grupo Sarney enriqueceu com o Sistema Mirante de Comunicação, de sua propriedade.A TV Mirante, por exemplo, q começou em 1983, com um capital social (o capital próprio aplicado pelos sócios) de R$ 120 mil, hoje ostenta uma soma milionária.São mais de 9 milhões divididos entre os três sócios, filhos do senador José Sarney(PMDB):o deputado federal Sarney Filho,a governadora Roseana Sarney e o empresário Fernando Sarney. Cada um com cerca de 3 milhões.A família do Senador José Sarney (PMDB-AP) possui uma rede de rádios e TV que cobrem todo o estado. A governadora do Estado, Roseana Sarney Murad(PMDB) aparece como sócia em ao menos três veículos de comunicação no cadastro dos donos de rádios e TV no país do Ministério das Comunicações. Roseana Sarney aparece como sócia dos irmãos Fernando José Macieira Sarney – indiciado pela Polícia Federal por formação de quadrilha, falsidade ideológica e tráfico d influência, entre outros crimes, na Operação Facktor(ex-Boi Barrica)e José Sarney Filho, deputado federal e ex-ministro do Meio-Ambiente no governador Fernando Henrique Cardoso(PSDB), e a cunhada Teresa Cristina Murad Sarney, irmã do deputado estadual e secretário de estado da Saúde, Ricardo Murad. O enriquecimento do grupo Sarney chega de forma ilícita, uma vez q é proibido a políticos possuírem veículos de comunicação. Diz a Carta magna do país em seu artigo 54:“… deputados e senadores não podem “firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público” ou “ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito públi- co”.Mesmo assim, as empresas de comunicação do grupo Sarney man- têm-se sob o manto da impunidade, funcionando até hoje de forma ir- regular!A família Sarney e alguns aliados(como o ministro Edson Lobão) reforçam substancialmente uma lista de 133 parlamentares eleitos para o biênio 2007-2010 que possuem alguma ligação com empresas de comunicação, sejam como donos ou tendo parente como dono. Aliados e ex-aliados do senador José Sarney tem privilé- gios no controle de canais de co- municação.Parentes como o prefeito de Barreirinhas, Albérico Filho (PMDB), e amigos da família, como Fernando José Santos Lameiras aparecem como sócios de concessões de emissoras de rádio e TV conquis-tadas no período em que o senador José Sarney ocupou a Presidência da República.Filho e primeiro suplente do ministro das Minas e Energia, o senador Edison Lobão Filho(PMDB) é sócio do Sistema Difusora de Comunicação que na relação do ministério das Comuni- cações aparece como RADIO E TV DIFUSORA DO MARANHAO LTDA. Além da capital, Lobão Filho possui emissora em Imperatriz, segunda maior cidade do Maranhão. O ex-deputado estadual Joaquim Nagib Haickel, secretário de esporte e lazer do governo Roseana, também aparece na lista dos “donos” de concessões de rádio e televisão. Entre os veículos citados como de propriedade da família Sarney e Lobão, estão:
    Roseana Sarney
    TV Mirante São Luís(MA)
    TV Mirante do Maranhão/Imperatriz
    TV Itapicuru Codó
    Rádio Mirante AM Caxias
    Rádio Mirante AM Pinheiro
    Rádio Mirante AM Imperatriz
    Rádio Mirante FM Timon
    Rádio Difusora FM Timon
    Rádio Mirante FM 96,1 S Luís(MA)
    Rádio Alecrim Caxias (MA)
    Rádio Verdes Campos Pinheiro(MA)
    Sarney Filho
    Mirante FM 96,1 São Luís(MA)
    TV Mirante São Luís São Luís(MA)
    Ricardo Murad
    Rádio Rio Jordão Coroatá(MA)
    Edson Lobão
    TV Difusora São Luís(MA)
    TV Difusora – Imperatriz (MA)
    Rádio Difusora FM São Luís (MA)
    Rádio Difusora AM São Luís (MA)
    Rádio Guajajara de Barra do CordaBarra do Corda (MA)…

  2. Em minha opinião, questões locais/regionais poderiam ser definidas através de fóruns públicos em que todos os cidadãos de uma comunidade poderiam participar de forma espontânea, não obrigatória, e definir o que fosse melhor para sua região. Em relação a questões mais abrangentes para o país, um número reduzido de ministérios (somente os que são realmente essenciais) teria um conselho de especialistas em determinada área (engenheiros, médicos, economistas, etc.), que através de votações definiriam os caminhos a serem seguidos. Estes especialistas não poderiam ser escolhidos por indicação política, mas por algum tipo de teste onde demonstrariam capacidade para exercer a função. Desta forma seria possível acabar com os cargos dispensáveis de deputados e senadores, e consequentemente acabar com os partidos políticos – cancro de nossa sociedade, além da economia de dinheiro que essa limpa traria…Enfim, uma democracia mais justa e honesta, acredito eu.

  3. Olá Max: eu não sei se a esta altura, é possível "arrumar" alguma democracia em funcionamento, visto elas serem quase sempre de fachada, digamos, porque são os poderes financeiros, de corrupção, ou ditatoriais que efetivamente funcionam. Os povos, por falta de experimentação real da vida democrática, por desconhecimento, pela ilusão midiática,pela ilusão do poder determinante do voto para o poder executivo ou legislativo (escolher os arautos da justiça é quase sempre esquecido) e das eleições, ou o que seja, vem permitindo "viciar" suas democracias, tornando-as palavra vazia.
    Acho que qualquer tipo de recuperação de "memória" tem de ser experimentada na prática em círculos pequenos, cidades, setores de grandes cidades, por força de lideranças municipais, institucionais,sindicais, empresariais, comunitárias, populares…E teriam de ser de democracia direta "presencial", nada de eletrônico. Só se aprende os valores democráticos participando efetivamente da política do lugar onde se está. Fora isso, se pode construir interessantes opções teóricas, sem chance de se tornar realidade. Inclusive me parece que a democracia representativa só se realiza de fato pelo amadurecimento do sentido de coletivo, a partir da vivência na democracia direta, e não o contrário. Abraços

  4. O problema é que a grande maioria dos políticos são MAÇONS!
    Não me venham dizer que não, porque isso é sério e deveria ser melhor investigado, ta tudo espalhado, na política, na mídia, nos mais altos cargos, podem pesquisar e investigar!

  5. " O optimo é inimigo do bom" o sistema que possuimos é o menos mau experimentado após milhares de anos de evolução politica, podemos melhora-lo ? concerteza ! Mas e nós? estamos a participar nas desições que podemos? criticamos, contestamos ou apresentamos queixas formais quando vemos ao nosso redor que a democracia esta desvirtuada? A classe politica esta refem de interesses economicos e organizações ditas "secretas" mas não vale a pena procurar nos outros a solução do problema, o problema pode parcialmente ser resolvido por nós existem mecanismos legais e gratuitos de participar que vão do livro de reclamações passando pelo debate em blogs ( de que este é um excelente exemplo) até á queixa formal num tribunal europeu, ja experimenta-mos isto ? se não, que estamos á espera? de um milagre? até os milagres dão trabalho a concluir.Como sabiamente disse o meu amigo khalil Gibran :

    "E da mesma forma que nenhuma folha amarelece senão com o silencioso assentimento da árvore inteira, assim o malfeitor não pode praticar seus delitos sem a secreta concordância de todos vós."

    Em primeiro lugar ( salvo melhor opinião) devemos procurar a solução em nós e no que esta ao nosso alcance, estamos a falar de uma empresa de gerações em que só a mudança para melhor do ser humano pode trazer soluções, a gestão politica é apenas um reflexo, A ganancia pelo poder e pelo dinheiro é alimentada por toda a sociedade atravez de roupas, carros luxuosos, programas de televisão, capas de revistas… enfim , são as nossas escolhas colectivas avidas de luxo superfulo que criam os monstros que agora criticamos, como diria o tio Anibal: "tambem nós alimentamos o monstro" Espero não ser mal interpretado… mas, infelizmente temos o que merecemos. Trabalhemos e meditemos para merecer melhor!

  6. Sem tirar nem pôr.

    Subscrevo o Bruno António.

    Gostava que alguém explorasse a questão do Tribunal Europeu, alguém se oferece? Como podemos apresentar queixas no Tribunal Europeu?

    Abraço,

    R. Saraiva

  7. Olá todos: também bato palmas para o comentário do Bruno.
    Olá Saraiva; por falar em começar por nós mesmos, tens comentários a respeito para a iniciativa da assembléia, a qual seja qual seja a reação que tenha originado, eu também bati palmas para a tua iniciativa?
    Abraços

  8. Os políticos não são – nem podem ser – 'paizinhos'!!!
    Há que exigir, isso sim, é UM MAIOR CONTROLO sobre a actividade política!
    Votar em políticos não é passar um 'cheque em branco'!!!
    O Presidente da República pode vetar uma lei… sem querer derrubar o governo!!!
    Os contribuintes devem poder vetar uma despesa com a qual não concordam… sem querer derrubar o governo!!!
    Democracia verdadeira, já!
    Leia-se: DIREITO AO VETO de quem paga (vulgo contribuinte):
    – blog fim-da-cidadania-infantil.
    {um ex: a nacionalização do negócio 'madoffiano' BPN nunca se realizaria: seria vetada pelo contribuinte!}

  9. Nobre Saraiva: Senhora Maria: agradeço a mui generosa apreciação, ainda não conheço por dentro os trâmites da queixa num tribunal europeu, apenas o generico que esta nas paginas na internet, mas os custos, a eficacia ou ate mesmo os prazos de decisão desconheço mas tambem estou curioso.
    Cumprimentos.

Obrigado por participar na discussão!

This site uses User Verification plugin to reduce spam. See how your comment data is processed.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: