Bank Charter Act

A nossa ideia de riqueza é o dinheiro. Um pouco como tio Patinha: um enorme cofre cheio de notas e moedas. Esta é uma ideia errada, profundamente errada.

Sem falar de poços de petróleo ou minas de diamantes, a verdadeira riqueza é outra: é ter uma companhia privada, nossa possivelmente, com a qual criar dinheiro a partir do nada. O Leitores mais antigos já intuíram: “Um banco!”.

97% do dinheiro não existe

Exacto.
Segundo as últimas estimativas, 97% de todo o dinheiro em circulação é virtual. Não existe. Ou melhor: existe nos ecrãs, não fisicamente. E não é criado pelo Estado: a maioria é criado pelos bancos.

Criar notas na própria casa não é coisa bem vista pelas Autoridades, a não ser que a vossa casa tenha o nome duma instituição financeira. Neste caso sim, é possível “imprimir” mais dinheiro do que os falsários do planetas todos juntos. “Imprimir” entre aspas, pois na realidade apenas 3% do dinheiro em circulação é físico, tudo hoje acontece pela via informática.


Martin Wolf, um especialista membro duma comissão independente acerca do sector bancário, declarou nas páginas do Financial Times:

A essência do sistema monetário nesta altura é a criação de moeda, do nada, com os empréstimos muitas vezes absurdos concedidos pelos bancos privados.

Os Leitores mais antigos já conhecem o funcionamento.

O velho esquema

Vamos no banco, pedimos um empréstimo. O banco quer garantias: “Assim, deseja um empréstimos de 100.000 Euros, não é? Mas o senhor tem uma garantia de 100.000 Euros?”. Estúpido banco: se eu tivesse uma garantia de 100.000 Euros porquê estaria aqui a pedir um empréstimo? Mas pronto, tenho o meu salário, chega? Sim, chega.

Num mundo normal, nesta altura o funcionário deveria levantar-se e dizer: “Só um segundo, vou ver quanto temos no cofre”. Para depois voltar e dizer “Sim, temos 100.000 Euros, eis o seu empréstimo”.

No nosso mundo não: quer 100.000 Euros? Cá estão, é só digitar na conta do cliente “+ 100.000”, nem a palavrinha mágica é precisa.

O Leitor pode pensar: “Bom, o funcionário pode ver no próprio ecrã quanto dinheiro tem o banco, se pode ou não conceder um empréstimo…”. Nada disso: acham mesmo que um banco disponibilizaria num ecrã qualquer uma informação destas? O funcionário não precisa de saber disso, tudo que tem de fazer é digitar “+ 100.000” e o dinheiro já está na nossa conta.

Todos os bancos fazem isso.
Resultado: um oceano de dinheiro criado a partir do nada.
Resultado número dois: inflação dos preços. E demasiada moeda em circulação. Moeda virtual, que salta duma até uma outra conta: quem compra uma casa com dinheiro físico?

Só que esta moeda toda inflaciona a emissão da mesma moeda. Dito de forma mais simples: a casa do nosso exemplo fica cada vez mais cara. E para compra-la é preciso cada vez mais dinheiro. O que significa cada vez mais empréstimos. E o jogo recomeça. Com uma dívida cada vez maior, que não poderá ser repagada (pois existem limites, não é?). Chama-se isso “bolha”.

Sem lei

Estas são cisas que já sabemos. Mas uma pergunta: não há limites legais? Não há leis?
No Reino Unido, por exemplo, a resposta é não: a lei acerca da criação do dinheiro nunca foi actualizada, nunca chegou a abranger o dinheiro electrónico. Esquisito? Nem por isso. Aliás, os bancos agradecem.

A maior parte dos pagamentos são feitos hoje com dinheiro electrónico, criado pelos bancos: a criação de dinheiro ficou privatizada, sem que o Estado tivesse alguma coisa a dizer acerca disso.

Enquanto os grupos criminais (aqueles oficialmente criminais) fadigam para criar e vender 2.5 biliões de Esterlinas a cada ano, os bancos criam e vendem mais de 100.000 biliões de Esterlina no mesmo período, sem violar a lei. Porque não existe uma lei.

O que ganham os bancos? Interesses, juros.
O que ganhamos nós? uma vida de dívidas.

Sir Robert Peel

Solução? Há.
Em 1844, Sir Robert Peel percebeu de que as moedas de metal tinham sido substituída pelas notas emitidas pelos bancos. Estas eram mais leves, mais práticas e por isso mais populares. Com o Bank Charter Act, Peel subtraiu aos bancos o poder de criar dinheiro, tarefa que foi devolvida ao Banco de Inglaterra.

Uma resposta antiga para um problema moderno? Sim, isso mesmo.
Com esta solução, temos a certeza de que o dinheiro não pode ser utilizado para criar “bolhas” ou para financiar especulações perigosas. Pelo contrário, o dinheiro criado chega a ser fundamental para a economia, mais do que hoje: seria dinheiro “real” (aspas obrigatórias) para as empresas, as lojas, para investir e criar trabalho. Não seria apenas dinheiro criado para endividar quem já tem um monte de dívidas.

Porque precisamos de mais dinheiro, não de mais dívidas. O contrário do que acontece hoje com os bancos privados.

Curiosidade: Sir Robert Peel nem foi assassinado. Outros tempos, sem dúvida.
Curiosidade bis: segundo Wikipedia, Peel é conhecido por causa da reforma da polícia e por ter criado uma comissão para a revisão do anglicanismo. Do dinheiro nem a sombra. Senta, dá a pata, boa Wikipedia, boa.

Voltamos ao assunto.
Óbvio, seria preciso proteger este dinheiro dos políticos à procura de votos. Mas seria possível criar leis sérias e, sobretudo, o jogo bem vale o risco: o poder de criar dinheiro é demasiado perigoso, não pode ser deixado nas mãos dos bancos privados. Os mesmos bancos que criaram a crise.

Caso contrário, a crise actual será apenas o prólogo da próxima.

Ipse dixit.

Fontes: The Guardian, Wikipedia

8 Replies to “Bank Charter Act”

  1. Max

    Veja o post

    http://prezadocarapalida.blogspot.com/2011/11/o-dossie-rosenthal-walter-white.html

    Max me diga o que tu acha, o que Harold Rosenthal fala numa entrevista é de arrepiar, diz que desde 1932 o povo americano não elege presidente, e veja também como a história vem se repetindo. Não é possível que se isso é verdade até hoje e ninguém fez nada contra isso.
    Isso é verdade Max? Me ajude a entender isso, fiquei chocado.

    Um abraço

  2. O tipos do OWS têm que aprender a lutar… se querem rebentar com o sistema basta rebentar com os data center e seus respectivos backups…

    Se continuam a brincar aos índios e cowboys não hão-de ir longe!

  3. olá BURGOS: pelo que sei, o dia 21 de janeiro de 2010 assinala a queda do que restava de democracia ativa nos EUA.Vou tentar explicar: nesse dia os tribunais asseguraram, por lei, aos conselhos de administração corporativa do país o controle do sistema político nacional. Presta atenção que não são sequer os acionistas das grande corporações, são os conselhos administrativos, ou seja aqueles que encarnam a "pessoa corporativa", já que nesse lindo país há no mínimo três tipos de pessoas: as não pessoas (ilegais,a maior população carcerária do mundo e os pobres, em geral negros, latinos e asiáticos), as pessoas (o que é considerado povo em geral) e as super pessoas, ou seja, as pessoas corporativas.
    Se alguém se interessar em saber mais a respeito, busque na página 50 e 51 do Livro Esperanzas y Realidades, de Noan Chomsky, primeira edição espanhola em novembro de 2010, pela Tendencias Editores. Abraços

  4. as tais "super pessoas, ou seja, as pessoas corporativas" levaram uns séculos a ganhar o actual poder, fruto da massiva corrupção do Poder Judicial americano no qual os juízes eram alternadamente juízes e membros dos quadros das Companhias de Caminhos de Ferro e Bancos… são muitos e bons anos de pura estórias de como se criou um ser humano a partir de uma folha de papel (registo de uma empresa)… agora aguentem com elas pois elas são a espécie dominante!

  5. Maria

    Nessas horas dou graças a Deus por ser um Cão.
    Tenho pena dos humanos que ainda não acordaram para isso tudo.

    Abraços

  6. Olá Anónimo!

    Desta vez respondo porque o material é dum artigo do The Guardian (mais algumas notas acerca da vida de Sir Robert Peel, de Wikipedia inglesa).

    Se alguém tiver dificuldades em perceber a culpa não é minha mas das deficiências do Leitor.

    Mais não acrescento porque realmente não vale a pena.

    Abraço!

Obrigado por participar na discussão!

This site uses User Verification plugin to reduce spam. See how your comment data is processed.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: