Allouín!

O Nobre Saraiva envia um link e diz:

Achei piada hoje abrir a página do Google e deparo-me com um doodle cheio de abóboras…

Pois bem, já nem me lembrava que nos EUA se comemora o Halloween. Tal como disse, nos EUA!
Mas por estranho que pareça, essa tradição norte-americana anda espalhada por todo o Mundo e porquê?
Curiosidade, cliquei no doodle e logo o primeiro artigo que encontro nos resultados a pesquisa, é uma dissertação bastante interessante de um sujeito.
Mais uma vez, o efeito globalizante da economia do consumo, tem deste brilharetes…Porque é que os miúdos portugueses (por exemplo), festejam uma festa que nem é nossa? Espero que seja útil.
Nobre Saraiva, claro que é útil. E obrigado.
E o artigo? Aqui está.

É de Rizzatto Nunes, mestre e doutor em Filosofia do Direito e livre-docente em Direito do Consumidor pela PUC/SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). É desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e escritor. O que afirma acerca do Brasil é inteiramente válido para Portugal e o resto da Europa também..

Trato novamente deste assunto pela importância que ele tem não por sua existência no Brasil, mas porque demonstra os modos de controle que o mercado exerce sobre os consumidores em geral, bem como a dificuldade que existe para a tomada de consciência da possibilidade de libertação das amarras tão bem engendradas pelo capitalismo contemporâneo.
Pois bem. Está aqui mais um dia das bruxas. Ao que parece, já é parte do calendário comercial e, o pior de tudo, é que muitas escolas aderiram!
Halloween no Brasil? São as “bruxas e bruxos” do marketing, que sempre aproveitam alguma coisa para faturar e, no caso, uma gorda receita, vendendo bugigangas, doces e mais porcarias para nossas crianças.

É verdade que, algumas escolas, não conseguindo fugir do evento, estão começando a fazer atividades didáticas e lúdicas, sem o emporcalhamento de doces e guloseimas oferecidos em grandes quantidades e sem nenhuma função de educação ou saúde. Mas, é pouco, pois, infelizmente, tudo indica que o tal dia das bruxas, famoso nos Estados Unidos, instalou-se entre nós, alegre (ou macabro) e impunemente.

Tive oportunidade de mostrar que Ignácio Ramonet, no livro Guerras do Século XXI (Petrópolis:Vozes,2003), diz que o novo sistema de controle dos grandes países poderosos não é mais o de territórios, mas o de mercados. Aliás, são as grandes corporações que controlam as forças internas desses países desenvolvidos pela via do mercado, de modo que elas e esses países visam por esse meio (o do mercado) ao controle dos mercados (e das sociedades) do mundo inteiro.

Essa forma de domínio, no final do século XX e início do XXI, passou a se imiscuir em praticamente todas as atividades humanas, transformando em evento comercial qualquer comemoração.

Pensemos a questão do Halloween no Brasil. O que, afinal de contas, as crianças brasileiras têm a ver com essa festa pagã? Nada. Trata-se de uma importação sem qualquer fundamento ou justificativa local. É agora apenas algo que o mercado deseja. Para se ter uma idéia do que está em jogo, nos Estados Unidos, a festa do terror, das bruxas e dos fantasmas já se tornou o segundo maior momento de faturamento do mercado, perdendo apenas para o Natal.

Lembro da reclamação de meu amigo Walter Ego: há três anos no fim de outubro, ele estava na casa de parentes num condomínio fechado do interior de São Paulo, quando bateram à porta crianças fantasiadas de bruxas, caveiras, duendes e o que o valha. A porta foi aberta e eles disseram: “travessuras ou gostosuras”. E lá foram os parentes de meu amigo entregar saquinhos que tinham previamente preparado com doces, balas e chocolates. E depois daquelas crianças vieram muitas outras. “Uma grande bobagem”, reclamou W. Ego.

Na época, depois dele me contar o episódio, eu, brincando, objetei que já tínhamos a Páscoa e mais ainda o Natal, este que, por muitos anos – e ainda até hoje – faz, por exemplo, com que comamos, em pleno calor tropical, comidas gordas, doces, frutos secos, nozes etc, alimentos típicos de lugares frios, de onde a festa foi importada. “É verdade”, disse ele. “Mas, isso se deu em outros tempos. Eu pensava que atualmente nós pudéssemos lutar contra esse tipo de imposição; que poderíamos resistir”.

Sim, talvez pudéssemos. Há mesmo um início de tomada de consciência a respeito do controle exercido pelo mercado, algo que vem se esboçando desde fins do século XX. O consumidor, considerado como tal – algo que ficou bem estabelecido a partir da mensagem enviada ao Congresso Americano em 15-3-1962 pelo então Presidente John Kennedy – pôde começar a se perceber como alvo dos fornecedores em geral e até do próprio Estado produtor.

E, assim, aos poucos, passou a reclamar e reivindicar direitos. Passou a poder resistir às tentações e determinações unilaterais. Mas, ainda não consegue fazê-lo em larga escala. Aliás, essa questão do Halloween no Brasil oferece uma boa oportunidade para o exame de como as coisas são feitas. É que estamos ainda no nascedouro de uma imposição mercadológica.

No meu tempo de criança ou adolescente (há quarenta anos) seria impensável um dia das bruxas no Brasil. Não sei quando começou. Mas, possivelmente há cerca de dez ou quinze anos, alguma escola de inglês deve ter feito a programação para seguir o ritual norte americano. Depois, no ano seguinte mais uma escola e mais outra etc.

Com a importação via tevê à cabo e também tevê aberta de cada vez mais enlatados americanos que reproduzem a festa (Basta ficar com o exemplo famoso do grande filme de Steve Spielberg, E. T., no qual o evento é retratado), aos poucos, os brasileiros foram se acostumando com a festa, como se a mesma também fizesse parte de nossa realidade. Daí, mais um ano, e a festa foi feita em escolas; depois em baladas de adultos e, enfim, chegou o momento em que parece que ela tem a ver connosco.

Atualmente, nas tevês à cabo, nos canais de programas infantis, são apresentados programas específicos somente sobre a festa.

Evidentemente, o mercado, sempre de olho nas oportunidades, deu sua contribuição e eis que temos entre nós crescendo vigorosamente uma festa importada, sem qualquer fundamento cultural e mesmo sem sentido ritualístico.

Dá para resistir? No Estado de São Paulo e também na capital, há leis oficializando o dia 31 de outubro como o Dia do Saci, como uma tentativa de se opor ao Dia das Bruxas, já que o Saci é tipicamente Nacional, pertencendo a nosso folclore e tradições. Há também na Câmara Federal projeto de lei para instituir o Dia Nacional do Saci e existe até uma associação intitulada SOSACI – Sociedade dos observadores de Saci (www.sosaci.org). São, penso, tentativas válidas. Mas, é pouco.

A resistência real e que poderia funcionar deve vir do próprio consumidor, especialmente os pais, que podem explicar aos menores o que é a festa e porque não participar dos eventos. As escolas devem fazer o mesmo e, claro, os pais poderiam pressioná-las a não produzirem esse tipo de comemoração.

Repito o que disse acima: se ainda existisse algum significado simbólico ou ritualístico na festa, vá lá. Mas, nem as crianças-vítimas ou seus pais sabem do que se trata. É apenas um momento de gasto inútil de dinheiro em fantasias, doces e gorduras, contribuindo para cáries e a obesidade infantil.

O que conseguimos observar, é que cada vez mais nossa cultura (e a sociedade brasileira) vai cedendo espaço àquilo que não nos pertence. Aos poucos e continuamente, vamos preenchendo nossos espaços com tradições de outros povos — como já fizemos e muito — e que, nesse caso, sequer é algo relevante, pois se trata de uma evidente imposição do mercado oportunista que, como já disse, só pensa em faturar.

O processo é lento, mas constante. Aqueles que atuam no mercado são espertos o suficiente para entender um pouco a alma do consumidor e acabam descobrindo a necessidade de preencher os espaços existentes no lar, no convívio doméstico, na relação entre pais e filhos.

Daí, na presente hipótese, oferecem, com essa estranha comemoração, mais uma boa desculpa de ocupação desse tempo, que fica, como quase sempre, intermediado pelo dinheiro gasto. É o consumismo enlatado e alienante, esteja ou não de acordo com nossas tradições e nossas leis. 

Para completar, lembramos que Halloween ou Dia das Bruxas é um evento tradicional que ocorre basicamente nos Países anglo-saxônicos, em particular nos Estados Unidos, Canadá, Irlanda e Reino Unido.

A origem pagã tem a ver com a celebração celta chamada Samhain, que tinha como objectivo dar culto aos mortos. Sabe-se que as festividades do Samhain eram celebradas muito possivelmente entre os dias 5 e 7 de Novembro (a meio caminho entre o equinócio de verão e o solstício de inverno).

Eram precedidas por uma série de festejos que duravam uma semana, e davam ao ano novo celta.
A “festa dos mortos” era uma das suas datas mais importantes.

Tal como afirmado antes, nada tem a ver com as nossas tradições.
Mas na verdade este nem é um discurso ligado às tradições, pois tal como aconteceu com outras festividades, o lado económico prevaleceu:

Um estudo recente mostra que, em média, cada pessoa gastou mais de 50 euros entre disfarces, decorações e doces , o que significa um investimento total de 4,8 mil milhões de euros em terras do «Tio Sam».

E dado que a mãe dos idiotas está sempre grávida:

A provar que o Dia das Bruxas deve ser para todos, os americanos não esqueceram os animais de estimação. Este ano, «donos» gastaram mais de dois mil milhões de euros em mini fantasias para trajar a rigor os seus animais.

Os fatos de abóbora, diabo e até cachorro-quente foram os mais populares e os que mais cobriram o pelo a animais de estimação por toda a nação.

Ipse dixit.

Fontes: Terra Magazine via Saraiva, Wikipedia, Agência Financeira 

5 Replies to “Allouín!”

  1. Olá a todos do blog,
    estou aqui para agradecer a qualidade dos posts, e dos comentários dos leitores. Com certeza, um lugar para pensarmos e refletirmos sobre os mais diversos temas. Max, você conseguiu um valioso e seleto grupo de leitores, parabéns.

    Deixo aqui, um outro endereço da web, com excelentes artigos e vastas pesquisas sobre NOM e outros temas que nos rodeiam. Independentemente de serem religiosos ou não, vale a pena dar uma olhada no conteúdo:

    ARTIGOS DIVERSOS:
    http://www.espada.eti.br/outros.htm

    Artigos Da The Cutting Edge:
    http://www.espada.eti.br/cutting.htm

    Fica a dica,
    um grande abraço!

  2. Faz lembrar os espectáculos no Coliseum de Roma durante a quedo do Império. Há que manter o povo ocupado enquanto se lhes rouba os últimos tostões e sempre ficam mais calmos entretidos… pode ser que se esqueçam que têm fome…
    Entretanto o estado policial desnvolve-se a passos largos. Quando derem por isso, são actores na arena a serem devorados pelos leões.

  3. natal, passagem de ano, dia de reis, carnaval, páscoa, dia dos namorados, dia do pai, dia da mãe… nem continuo pois não vale a pena e já deu para ver o objectivo!

    Tudo invenções das mentes capitalistas ávidas por pôr os Escravos a Consumir coisas inúteis às mega-toneladas…

    Mas também vistas as coisas à luz da actual Civilização apenas somos autorizados a viver se for para consumir!

  4. "Para completar, lembramos que Halloween ou Dia das Bruxas é um evento tradicional que ocorre basicamente nos Países anglo-saxônicos, em particular nos Estados Unidos, Canadá, Irlanda e Reino Unido."

    eu vejo bastante semelhança qt a trasmissão dos eventos da familia real britanica… é como se fossemos súditos dessas pessoas tb.
    quem se importa com o casamento dessas pessoas?

Obrigado por participar na discussão!

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