Petróleo: ainda acerca do pico…

Eu gosto de carros. Até gosto muito.
Ok, confesso: sou um apaixonado.

Mas é preciso admitir: os carros são uma vergonha, por muitas razões.

Tecnologia de ponta…

Hoje pagamos dezenas de milhares de Euros uma tecnologia nascida no século XIX. Nikolaus August Otto, o inventor do motor a gasolina instalado na maior parte dos veículos, registou a própria invenção em 1886; o motor a gasóleo é de 1892.

Lembrem disso da próxima vez que o vendedor começar a falar das maravilhas técnicas do veículo exposto no concessionário.

E agora, eis a revolução ecológica: o carro eléctrico com acumuladores. Que é mais caro, óbvio, mas enfim, tem tantas soluções de ponta…e, de facto, era de ponta em 1832, quando o escocês Robert Anderson criou a primeira viatura movida com motor eléctrico.

Todos problemas que podem desaparecer em tempos breves.


O Guardian publica um artigo com um título bastante explicativo: “Fim do automóvel”.
No Reino Unido, os jovens preferem comprar um Smartphone em vez dum carro. E o número de pessoas que frequentam os cursos para obter a carta de condução está em queda acentuada.

Mais carpooling (a utilização de mais pessoas no mesmo carro), mais bicicletas eléctricas.
O carro deixa de ser um status symbol? Até que enfim, não é por isso que tinha nascido.

Mas além das modas, há outra razão que pode acelerar o desaparecimento do carro: o fim do petróleo.
Este é um assunto ao centro dum debate ao rubro entre quem defende o ouro negro como recurso finito e quem fala de petróleo de origem abiótica (isso é, não de origem fóssil) e ilimitado.

Não vamos falar disso agora.
Falamos, pelo contrário, de Peter Voser, administrador da Shell, entrevistado pelo Financial Times.

O pico

Diz Voser:

A produção nas explorações abranda 5% por ano, enquanto as reservas diminuem, e será preciso encontrar 4 Arábias Sauditas ou 10 Mares do Norte nos próximos 10 anos apenas para manter o actual nível de oferta, mesmo antes de qualquer aumento da procura.

Mais ou menos falamos de 40 milhões de barris de petroleiro por dia, quase metade da actual produção mundial. Por isso:

Haverá uma forte volatilidade dos preços da energia no geral, haverá muito provavelmente  dificuldades no equilíbrio procura-oferta e, portanto, uma subida dos preços da energia no longo prazo. Temos que fazer algo.

Bravo Voser, vamos fazer algo. Mas o quê?

Em 2010, a International Energy Agency (IEA) tinha dito que no prazo de 10 anos teria sido obrigatório encontrar novas explorações de petróleo e gás por um total de 2 Arábias Sauditas, isso para compensar o declínio da actual produção. Uma tarefa julgada como irrealistas.

Mas agora a Shell diz que, na verdade, o Mundo precisa de encontrar muito mais do que isso, precisa basicamente de encontrar metade da produção de hidrocarbonetos de hoje.

O pico de produção parece não apenas alcançado mas já ultrapassado: e isso enquanto as velhas explorações declinam mais rapidamente de quanto previsto e as novas são difíceis de alcançar; o que implica custos particularmente elevados.

O panorama segundo a Shell está longe se ser optimista: o declínio da produção é bem maior do 2% oficial. O petróleo da Europa do Norte, por exemplo, diminui 6% por ano, um ritmo que em 2021 poderia significar 33-36 barris de petróleo por dia face os actuais 86 milhões.

Assim, após ter passado ano a negar o pico do petróleo, são agora as mesmas multinacionais que lançam o alarme.

Jean Laherrére, especialista ex-Total:

As grandes companhias ocidentais têm agora crónica limitações de reservas petrolíferas. E isso incluídos as grandes companhias americanas, por a produção do Estados Unidos, antigo primeiro exportador e hoje primeiro importador mundial, encontra-se em declínio há mais de 40 anos.

As potências coloniais têm feito muitos esforços para aceder ao petróleo de outros Países: os Ingleses na Pérsia e no Iraque, os Americanos na Arábia Saudita, os Franceses na África Ocidental,  mas agora isso já não é suficiente. Até o número um dos EUA, a Exxon, nos últimos anos não conseguiu encontrar novas explorações que possam compensar o petróleo que hoje produz.

E os alarmes parecem agora não conseguir mudar o rumo.
A Total repete desde 2008 que estamos mais ou menos presos numa rede. A Chevron em 2005 lançou uma campanha com inteiras páginas no Wall Street Journal e o administrador delegado da companhia afirma que “Empregámos 125 para explorar o primeiro trilião de barris e conseguimos gastar o sucessivo trilião em 30 anos”.

Petrobras, em Fevereiro de 2010, advertiu que as extracções mundiais de petróleo estavam em declínio e que era imperativo investir nas caras e perigosas perfurações offshore em águas profundas.

O petróleo do frio

Isso sem esquecer o Ártico.
Mesmo após o desastre do Golfo do México, a Shell continua a pedir a autorização para perfurar nas costas do Alaska, uma das últimas zonas inexploradas dos Estados Unidos.

Por isso muitos suspeitam que o novo alarme lançado pelas companhias petrolíferas seja uma forma de pressionar o Presidente americano para que conceda as autorizações.

Doutro lado, a Exxon também tenta aceder ao Ártico, desta vez do lado russo. E mesmo a Rússia é a nova Arábia Saudita: desde 2010 é o principal produtor de petróleo. Mas extrair o petróleo de Moscovo não é simples: são precisas tecnologias de ponta e os riscos são elevados, sobretudo do ponto de vista ambiental.

Além disso, ninguém pode ao certo avaliar as reservas de hidrocarbonetos da Rússia, pois quem divulgar os dados risca 7 anos de prisão.

Entretanto, há um ano o Rei da Arábia tinha ordenado de interromper a exploração dos poços, com o fim de preservar a riqueza para as próxima gerações. Sucessivamente as grandes companhias tinham conseguido convencer a casa real a continuar a produção, mas parece evidente que o papel de Riyad como grande exportador é destinado a diminuir cada vez mais com o tempo.

Pessimismo também na China: até o ano 2000, Pequim era autosuficiente em matéria de hidrocarbonetos e ainda hoje é um importante produtor: mas as extração abranda enquanto a procura interne tem duplicado.

Em Paris, a IEA está prestes a publicar o relatório anual e as antecipações dizem ser bastante reconfortante. Observa Laherrére:

Isso depois de ter aberto o vaso de Pandora e ter gritado “ao lobo!” no relatório anterior. Curioso, muito curioso…

Ipse dixit.

Fontes: The Guardian, Greenreport

8 Replies to “Petróleo: ainda acerca do pico…”

  1. Há que começar a poupar recursos naturais urgentemente e não é com o sistema capitalista que o conseguiremos.
    "A capacidade contínua [do capital internacional] para extrair … 'rendas' depende de uma colcha de retalhos de países anteriormente subdesenvolvidos em industrialização os quais coexistem com a maciça pauperização do Terceiro Mundo bem como com a des-industrialização das regiões industriais mais antigas do Primeiro Mundo. Através deste prisma, o comércio internacional é uma das tábuas de um sistema capitalista internacional que tem êxito sobre a exploração e o desperdício dos recursos naturais e humanos do mundo em proporções monumentais".
    "O Crash de 2008 e o colapso da Conferência de Copenhagen em 2009 são o topo do iceberg que se funde. Menos bem visto é o esbanjamento de recursos naturais e humanos do capitalismo, assim como sua invasão da liberdade genuína. A razão principal? Porque o capitalismo está numa etapa evolutiva e por trás da capacidade produtiva da admirável 'maquinaria' que ele próprio criou. A tarefa actual da humanidade é, portanto, fazer o que um vírus não pode fazer: Conceber nossa evolução contínua e dirigir o seu caminho numa direcção da nossa escolha, ainda que apenas em benefício do planeta."
    Yanis Varoufakis

  2. olá Max e comentaristas: pois aqui no Braaaasil, os tais de off shore estão a mil, a construção de plataformas para submarinos também, o submarino nuclear já não é mais uma piada e, saiba-se lá porque, as ligações entre Petrobras e o exército brasileiro estão em primavera. Ora vejam só.

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