Al Qaeda na Líbia: uma cronologia

Dezenas e dezenas de e-mail de Leitores que perguntam: “Mas como? Al-Qaeda na Líbia ao lado da Nato?”.
Quantas e-mail? Dezenas. Talvez algumas.
Ok, ninguém perguntou nada, mas eu vou escrever na mesma.

Apareceu um óptimo artigo de VoltaireNet (bom site, sem dúvida, pena que a versão portuguesa não esteja sempre actualizada: deixo o link no fundo deste post), por isso vamos resumir o dossier Al-Qaeda.

O nascimento: a Cia e al-Zuwawi

Nos anos ’80, a CIA sugeriu que Awatha al-Zuwawi criasse uma organização líbia para a formação de mercenários e depois que estes fossem enviados a combater na Jihad contra os Soviéticos, no Afeganistão.

Desde 1986, os recrutas líbios eram treinados nos campos do Paquistão, sob a autoridade do bilionário árabe Osama Bin Laden.

Quando Bin Laden foi para o Sudão, os Jihadistas líbios foram com ele e reunidos num novo campo. Em 1994, Bin Laden enviou alguns militantes na Líbia, com a intenção de assassinar o Coronel Khadafi e tomar o poder.

No dia 18 de Outubro de 1995, o grupo fica estruturado com a denominação de Grupo Islâmico Combatente na Líbia (LIFG). Ao longo dos três anos sucessivos, por outras quatro vezes Khadafi escapou à morte enquanto o grupo tentou também implementar a revolta nas montanhas do Sul.
Sem sucesso.


Por estas razões, o exército líbio ficou sob o comando do General Abdel Fattah Younis, que conduziu uma campanha contra as tentativas de guerrilha, e a justiça líbia emitiu uma ordem de captura contra Bin Laden, ordem difundida também pela Interpol.

Segundo o agente de contra-espionagem britânico David Shayler, o desenvolvimento do LIFG e a primeira tentativa de assassinato foram financiadas pelo M16 inglês com 100.000 Libras.

Na altura, a Líbia era o único País que tentava capturar Bin Laden, o qual, oficialmente, podia contar com o apoio político dos Estados Unidos (apesar do simpático Bin não aprovar a Operação Desert Storm).

Por causa da pressão líbia, Hassn al-Turabi do Sudan expulsou os Jihdaistas, os quais foram para o Afeganistão, no campo de Shahid Shaykh Abu Yahya, Norte da capital, Kabul.

A instalação sobreviveu até o Verão de 2001, ano em que o mullah Omar pede para que o campo seja posto sob o directo controlo dele: isso tendo em vista os preparativos para a intervenção ocidental no Afeganistão.

LIFG: oficialmente terrorista

O ex-agente David Shayler

No dia 6 de Outubro de 2006, o LIFG entra na lista do Comité de aplicação da Resolução 1267 da ONU; no dia 8 de Dezembro de 2004, o LIFG entra na lista das organizações terroristas do Departamento de Estado dos Estado Unidos; no dia 10 de Outubro de 2005, o LIFG foi banido do território britânico pelo Departamento do Interior.

Todas estas medidas ainda estão em vigor.

No dia 7 de Fevereiro de 2006, as Nações Unidas sancionavam seis membros do LIFG e quatro sociedades conexas que continuavam a operar de forma ilegal no Reino Unido, com a protecção do M16:

  • Abd Al-Rahmab, possivelmente o escritor jihadista Abdul-Rahman Hasan, procurado em Marrocos por homicídios de massa no dia 16 de Maio de 2003;
  • Al-Faqih, terrorista, transferia dinheiro e documentos falsos para terroristas no estrangeiro;
  • Ghuma Abd’rabbah, terrorista, afiliado do GIA, Armed Islamic Group;
  • Abdulbaqui Mohammed Khaled, afiliado do GIA;
  • Mohammed Benhammedi, financiador do LIFG;
  • Tahir Nasuf, afiliado do GIA;
  • Sara Properties, empresa que financiava Benhammedi;
  • Meadowbrook Investments Limited, financiava Benhammedi
  • Ozlam Properties Limites, financiava Benhammedi;
  • Sanabel Relief Agency Limited, empresa com a qual o LIFG transferia dinheiro para outros grupos de Al-Qaeda via Kabul.

Mais tarde o LIFG mudará o próprio nome em Libyan Islamic Movement (al-Harakat al-Islamiya al-Libiya).

Belhadj, de prisão em prisão

Abdelhakim Belhadj

Ao longo da Guerra contra o Terror, o movimento jihdaista reestrutura-se e no dia 6 de Março de 2004 o novo chef do LIFG, Abdelhakim Belhadj (que tinha combatido no Afeganistão ao lado de Bin Laden e depois no Iraque), é preso na Malásia e transferido para uma das prisões secretas dos Estados Unidos, na Tailândia, onde é torturado.

A seguir, é transferido na Líbia, onde é torturado pelos agentes secretos do Reino Unido, na prisão de Abu Salim.

No dia 26 de Junho de 2005, as agências de intelligence ocidentais organizam em Londres uma reunião de dissidentes líbios, entre a Irmandade Muçulmana, a Fraternidade Senoussi e o LIFG. A reunião, que tem o nome de “Conferência Nacional da Oposição Líbia”, fixa três pontos:

  1. expulsar Muammar Khadafi
  2. exercer o poder ao longo de um ano sob a denominação de “Conselho Nacional de Transição”
  3. reintroduzir a monarquia constitucional na forma de 1951 e tornar o Islão a religião de Estado.

Em Julho de 2005, Abu al-Laith al-Liby consegue fugir da prisão de máxima segurança de Bagram, Afeganistão (facto este bastante esquisito) para tornar-se um dos chefes de Al-Qaeda. Chama os Jihdaistas líbios que tornam-se na maioria dos kamikaze da organização no Iraque.

A fusão LIFG – Al-Qaeda

Em Fevereiro de 2007, al-Liby conduz um espetacular ataque contra a base de Bagram, enquanto o vice-presidente Dick Cheney está prestes a visita-la.

Em Novembro de 2007, Ayman al-Zawahiri e Abu al-Laith al-Liby anunciam a fusão do LIFG com Al-Qaeda: Abu al-Laith al-Liby torna-se o vice de Ayman al-Zawahiri, na prática o número 2 da organização, pois de Bin Laden não há notícias (de facto, já estava morto, como confirmam os serviços secretos de vários Países).

Durante o período 2008-2010, Saif al-Islam Khadafi negoceia uma trégua com o LIFG e publica um documento no qual reconhece ter sido um erro apelar à luta contra os irmãos muçulmanos, num País muçulmano. Todos os membros de Al-Qaeda são perdoados e de 1.800 jihdaistas apenas uma centena recusa o acordo (que prevê a libertação em troca do fim da violência) e permanece na prisão.

Libertado, Abdelhakim Belhadj pode assim abandonar a Líbia e transferir-se no Qatar.
Nos primeiros meses de 2011, o príncipe da Arábia Saudita, Bandar Bin Sultan, começa uma série de viagens para relançar Al-Qaeda e expandir o recrutamento.

São abertos escritórios na Malásia, por exemplo, mas os melhores resultados são obtidos em Mazar-i-Sharif, onde mais de 1.500 Afegãos aderem à organização e podem ser assim empregues na Jihad da Líbia, Síria e Yemen.

Bandar Bush

Bush e Bandar Bush

Breve parêntesis: quem é Bandar Bin Sultan?

Bandar bin Sultan bin Abdul-Aziz Al Saud (em Árabe: الأمير بندر بن سلطان بن عبدالعزيز آل سعود‎)  é um príncipe da família real saudita.

Foi embaixador da Arábia nos Estados Unidos desde 1983 até 2005, e depois Secretário Geral do National Security Council do Rei Adullah, desde 2005.

É muito amigo da família Bush, em particular de George H.W. Bush (o pai) e de George W. Bush (o filho incapaz), ao ponto de ser muitas vezes apelidado de Bandar Bush.

Bandar Bush já tinha sido envolvido no escândalo Irão-Contras, tendo ele financiado os guerrilheiros Contras com 30 milhões de Dólares.

A seguir, ficou envolvido no “caso Al Yamamah”. O Procurador Geral Lord Goldsmith, do Serious Fraud Office (Reino Unido), descobriu que a British Aerospace (agora BAE Systems) pagou 2 milhões de Dólares ao príncipe-embaixador para que este “facilitasse” a venda de armas inglesas ao exército Saudita.  

A revolta na Líbia: Al-Qaeda ao poder

Em poucas semanas, Al-Qaeda, que estava reduzida a um pequeno e moribundo grupo, pode apresentar mais de 10.000 unidades.
No dia 17 de Fevereiro, a Conferência Nacional da Oposição Líbia organiza o “Dia da Cólera” em Bengasi e começa assim a revolta no País da África do Norte.

Em Derna, um das cidades mais fundamentalistas, das quais provêm a maioria dos kamikaze líbios de Al-Qaeda, o Imam Abdelkarim al-Hasadi anuncia a criação dum emirado islâmico. al-Hasadi é um antigo membro do LIFG, já tinha sido preso e torturado em Guantanamo pelos Americanos. al-Hasadi torna o burka obrigatório e reintroduz as punições corporais. Além disso, organiza um pequeno exército com 1.000 jihdaistas.

O General Carter Ham, Comandante de Africom, encarregado de coordenar as operações aliadas na Líbia, exprime as próprias preocupações por causa da presença de elementos jihdaistas de Al-Qaeda entre os rebeldes: o General tem que defender na Líbia as pessoas que no Afeganistão e no Iraque matam os soldados ocidentais.
Naturalmente, o General Ham é removido.

Na Cirenaica “livre”, os homens de Al-Qaeda fazem quanto de melhor sabem fazer: cortar gargantas, tirar os olhos, cortar os seios das mulheres julgadas “sem vergonha”.

Além disso, torturam e massacram. Mas enfim, é uma libertação..

No dia 1 de Maio de 2011, Barack Obama anuncia que um commando de Navy Seal mata Osama Bin Laden, desaparecido há dez anos: uma óptima ocasião para refazer o “look” dos Jihadistas aliados na Líbia. Aliados como sempre tinham sido: Afeganistão, Bósnia, Tchetchenia, Kosovo…

No dia 6 de Agosto, os 6 membros do commando Navy Seal morrem na queda dum helicóptero, atingido por um míssil dos rebeldes afegãos.

Abdelhakim Belhadj volta na Líbia com um avião militar do Qatar, toma o comando dos homens de Al-Qaeda nas montanhas de Jebel Nefusa, abre as portas da prisão de Tripoli para libertar os últimos Jihadistas presos e é encarregado de treinar o novo exército da Líbia.

Ele, leader histórico de Al-Qaeda na Líbia…

Fontes:

6 Replies to “Al Qaeda na Líbia: uma cronologia”

  1. Mais uma vez,

    os EUA não têm amigos nem inimigos, apenas pessoas certas , nos lugares certos, às horas certas e vice-versa… É isso que define quem é "amigo" de quem.

    Bom artigo Max.

    Abraço,
    — —
    R. Saraiva

  2. O que me fez rir a bom rir outro dia destes foi ver um "rebelde" a mostrar no seu portátil a 'ordem de batalha' com imagens de satélite e tudo…

    já não há rebeldes como antigamente!!!

  3. Olá Max: terminei de ler o post pensando: tá certo que o Max já demonstrou ser um sujeito muito inteligente,mas pára aí… de onde ~este cara tira tanta informação? Será o faro do Leonardo que ajuda? Depois li a listagem das fontes, e…bem, boas fontes, mas de qualquer forma…é impressionante!
    Lembrei de uma aluninha muito pobrezinha e mal falante que eu tive, faz uns 50 anos que dizia, quando eu reclamava: "professora, pensá, eu penso…o difícil é acuierá!" (aculherar significa juntar os pedaços com uma colher de forma a poder comer). Beleza de "acuieração" que tu nos proporciona Max. Obrigada!!E ao Leo, naquilo que ele tenha de participação nisso.
    Em tempo: concordo com a preocupação da Fada: mais dia menos dia, o blog some, e o pior é que tu podes sumir junto. Temo pelo meu amigo de 4 patas, inclusive. Abraços.

Obrigado por participar na discussão!

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