O lado obscuro da Volkswagen

Sim, a Nova Ordem Ocidental está a desmoronar.

Mas ainda está entre nós e não sabemos com certeza quando será definitivamente enterrada. No entanto, continua a agir como sempre fez, de forma subtil e tentacular.

Não é preciso entrar num banco para ficar envolvido no esquema de quem manda. Esta Nova Ordem é uma maneira de viver, de conceber os negócios.

É possível encontra-la no dia-a-dia, no publicidade, nos órgãos de informação, nas mensagens que, de forma voluntária ou involuntária, explicita ou implícita, são espalhadas.

Entramos neste mundo simplesmente ao ficar em casa e ler uma das próprias revistas favorecidas.

Publicidade? Mais ou menos. O tema aqui é uma forma de publicidade mais subtil, que utiliza a alegada imparcialidade de quem escreve para insinuar no Leitor a ideia de que um determinado produto é necessariamente superior aos outros.

Deutschland über alles…

Como sempre gostei de automóveis, costumo adquirir um par de revistas, uma mensal outra semanal. É mesmo desta última que vou falar: trata-se duma publicação portuguesa, mas aposto que não seja difícil encontrar o mesmo “estilo” em produtos editoriais de outros Países.

E, para não ser indelicado, não vou dizer o nome.
Aliás vou: Auto Hoje, uma das mais difundidas.

  • Capa: meia página ocupada pelo novo modelo da Audi (Grupo Volkswagen, empresa alemã). Em baixo: comparativo entre três coupés, dos quais um é o Golf, da Volkswagen (Alemanha). No centro, “Carro de sonho”; um BMW M3 (Alemanha). À direita dois carros: BMW M1, Mercedes AMG Coupé, ambos da Alemanha.
  • Contracapa: publicidade do serviço de manutenção Volkswagen, “Das Auto” (Alemanha).
  • Página 3 o índice, páginas 4 e 5 notícias várias (olha, a Porsche, Grupo Volkswagen, quer reeditar o 550 Spider enqaunto o designer Luc Donckerwolke passa a ser responsável do design na Volkswagen).
  • Páginas 6 e 7: eis as imagens do novo Mercedes C 63 AMG (Alemanha).
  • Páginas 8 e 9: não há carros da Alemanha? Deve ser um erro.
  • Página 10: no fundo é possível observar o anúncio de Auto Hoje que oferece uma carta de condução. E na imagem um Mercedes (Alemanha).
  • Página 11: Auto Hoje oferece 7 mapas! E é reproduzida a capa deste número, a mesma que traz um Audi (Grupo Volkswagen, Alemanha) em primeiro plano.
  • Página 12: Auto Hoje comprou e restaurou um carro velho, que agora tem novo dono. O carro é um Mercedes (Alemanha).
  • Página 13: Campanha assinaturas de Auto Hoje, assine e receba um desconto até 30%. Com fotografia dum Audi (Grupo Volkswagen, Alemanha).
  • Páginas 14 e 15: rubricas de ecologia e desporto.
  • Páginas 16 e 17: o novo Audi A2 (Grupo Volkswagen, Alemanha).
  • Páginas 18-23: BMW  M1 Coupé (Alemanha).
  • Páginas 24 e 25: Novo Audi A6 Avant (Grupo Volkswagen, Alemanha).
  • Página 26: BMW 120D (Alemanha).
  • Página 27: Skoda Fabia Break 1.2 TDI Familiy (Grupo Volkswagen, Alemanha).
  • Página 28 e 29: Novo Mercedes C 63 AMG Coupé (Alemanha).
  • Página 34: quer um carro usado? Já pensou num Audi A6 2.0 TDI? (Grupo Volkswagen, Alemanha) 
  • Finalmente começam as páginas dedicadas às listas dos preços. Aqui é obrigatório falar de outras marcas também.
  • Página 48, rubrica “Máquina do tempo”: eis um Mercedes antigo (“Flecha de Prata”) com um mais moderno, W196 (ambos Alemanha).
  • Páginas 50-55, o confronto entre coupés. Perde por apenas 2 pontos o Volkswagen Golf (Grupo Volkswagen, Alemanha), mas “é mais refinado e mais suave que Megane e 308”. E não podemos esquecer que é “robusto e sólido” (os outros dois, provavelmente, desfazem-se ao longo do teste).
  • Páginas 56-57, rubrica Segredos do usado: Seat Ibiza 1.2 TDI CR Ecomotive (Grupo Volkswagen, Alemanha).
  • Páginas 60-63:: aqui o tema é “avarias”. Não há Volkswagen, apenas Ford, Renault, Citroen, Rover.
  • Saltamos o desporto para ler o que é um carro de  sonho: é um BMW M3 Sedan CRT.
  • E, para acabar em grande, eis as antecipações do próximo número: uma fotografia dum Seat (Grupo Volkswagen, Alemanha), uma da BMW (Alemanha), uma da Mini (Grupo BMW, Alemanha).

Este não é um semanal de informação automobilística, esta é uma publicação dedicada aos produtos alemães. E, em particular, aos do Grupo Volkswagen.

Não é um número especial, ao ponto que já tinha enviado uma e-mail ao Director, lamentando a  situação.
A resposta foi muito simpática, amigável e esperada:

Não temos pela VW qualquer “carinho” especial, que não seja extensível a qualquer outra marca.

Temos, no entanto, em linha conta o maior nível de interesse dos nossos leitores por informação e opinião focalizada em determinadas marcas, numas mais do que noutras.

Logo, se os nossos leitores mostram mais interesse na leitura de informação sobre produtos VW, para utilizar a marca que usa como “alvo”, do que, por exemplo, Lada, procuraremos focalizar o nosso trabalho, crítico ou opinativo, na VW, embora não deixemos de tratar toda a informação relativa à Lada que nos pareça relevante.

É também essa a nossa missão como jornalistas.

Por isso não é uma linha editorial, é o interesse dos leitores.

…apesar dos leitores

O facto esquisito é que os Portugueses (pois sendo Auto Hoje uma publicação portuguesa é correcto supor que sejam os Portugueses a ler) não compram Volkswagen, mas Renault.

Na revista irmã de Auto Hoje, Guia do Automóvel, podemos ler a lista dos 10 modelos mais vendidos: são presentes dois Renault (dos quais o modelo Megane ocupa a primeira posição e o outro, Clio, a 4ª), dois Opel (dos quais o modelo Corsa ocupa o 2º lugar), dois Volkswagen (Golf , 3º lugar), dois Peugeot.
Nem um Audi, nem um Seat, nem um Skoda, (todos do Grupo Volkswagen), nem um BMW, nem um Mercedes.

Por isso temos aqui um problema: ou os Portugueses são uma cambada de idiotas, que querem saber tudo acerca dalgumas marcas para depois comprar outras, ou as palavras do Director não são o espelho da realidade.

Quem conhece os produtos editoriais dedicados aos carros, sabe qual a resposta certa: o Grupo Volkswagen goza dum tratamento de favor.

Porque, meus senhores, nós temos que comprar Volkswagen.
E para perceber quem é a Volkswagen temos de ler alguns números.

O Grupo Volkswagen

A empresa com sede em Wolfsburg, fundada em 1937 por vontade de Adolf Hitler, conta hoje com 389.000 dependentes.
O facturado em 2010 foi de 126.875 bilhões de Euros, com lucros de 7.226 bilhões.

Só para ter uma ideia, o facturado da Volkswagen é superior ao Produto Interno Bruto de Países quais o Chile, a Roménia, a Hungria, o Perú, a Nova Zelândia, o Kuwait, o Qatar, Marrocos, Croácia, Angola, Cuba. 

E os lucros são superiores ao PIB de Haiti, Nicarágua, Guiné, Cabo Verde, Timor Leste.

Em comparação, a Renault (repito, a marca mais vendidas em Portugal) pode contar com 130.000 dependentes (menos dum terço da VW) e um facturado de 40 bilhões de Euros, também neste caso menos de um terço.

A VW vende nos Estados Unidos, a Renault não.
Autoeuropa, a unidade de produção da VW em Portugal, contribui com 1% do PIB nacional.

Começa a ser claro o porque do tratamento de favor?

Blue Slow Motion

Mas o que a imprensa especializada esquece de referir é a política empresarial do Grupo Alemão.

Greenpeace começou uma campanha para combater esta política. Porque se no imaginário dos automobilistas europeu o termo BlueMotion (sinónimo de tecnologia automobilistica respeitosa do meio ambiente) é indissoluvelmente ligado à Volkswagen, a realidade é bem diferente.

No gráfico acima é bem patente quais as empresas mais empenhadas na redução das emissões: em primeiro lugar Toyota, depois Grupo PSA (Peugeot – Citroen), BMW, Hyundai, Fiat e Renault.
A Volkswagen, com a tecnologia BlueMotion, fica bem atrás.

Não apenas a Casa de Wolfsburg tem bem pouco de “verde”, como também tenta travar o desenvolvimento de tecnologias que possam abater as emissões de dióxido de carbono, por exemplo.

Apesar de “reputação verde”, a Volkswagen está gastando milhões de euros todo ano para financiar grupos lobistas que tentam impedir que a Europa eleve seu compromisso com a redução da emissão de gases de efeito estufa de 20% para 30% em 2020.

Empresas progressistas – como a Google, Ikea, Sony, Unilever e Philips – apoiam a meta. A Volkswagen não pode ficar para trás. Carros mais eficientes são mais baratos de se manter, usam menos petróleo e emitem menos CO2.

A Volkswagen tem um longo histórico de lobby contra a implementação de padrões necessários para nos livrarmos do vício do petróleo, mas deveria fazer justamente o contrário, já que é a maior compania automotiva na Europa e portanto possui a maior responsabilidade.

A Volkswagen diz que quer ser a “montadora mais ecológica do mundo”, mas apenas 6% dos carros vendidos em 2010 eram modelos eficientes. Há tecnologia para fazer melhor. A Volkswagen precisa divulgar seu plano para tornar sua frota inteira livre de petróleo até 2040.

No link VWDarkSide podem encontrar um relatório pormenorizado acerca do relacionamento entre meio ambiente e Volkswagen: são 25 páginas em lingua inglesa que demonstram como a VW de ecológico tenha muito, mas mesmo muito pouco.

Outros produtores estão bem mais empenhados na redução das emissões.

 Como sempre: negócios e política

O Grupo Volkswagen não é apenas um grande jogador na Europa Economia, é também um actor político.
Os seus gerentes são calorosamente recebidos nos encontros europeus, particularmente no País de origem, a Alemanha, onde a Volkswagen representa uma participação pública do Estado da Baixa Saxônia (que detém 20 de acções e dois supervisores no Conselho de Administração). 

EnquantoPrimeiro-Ministro da Baixa Saxônia, Gerhard Schroeder ocupava o cargo na Volkswagen antes de tornar-se Chanceler do governo alemão. A Volkswagen bem representa um clássico exemplo dos estreitos relacionamento entre grandes grupos e política: membros do governo são contratados na Volkswagen, enquanto dirigentes da Volkswagen entram nos vários ministérios.

O ex porta-voz do Ministério dos Transportes senta agora no escritório da VW em Berlim; o em Ministro da Economia do Estado de Saarland, Reinhold Kopp, passou no Concelho da VW; a ex representante da VW em Bruxelas, Elisabeth Alteköster, passou a ser Diretora da Secretaria-Geral dos  Transportes em 2010.

E a empresa gasta anualmente não menos de 2,3 milhões de Euros em lobby na União Europeia, mas o dado é incompleto pois as informações neste campos são extremamente reservadas.
 
Doutro lado, o Grupo tem um longo historial de lobby contra a introdução de limitações em termo de emissões poluentes, a nível europeu e no seio da ACEA, a Associação dos Constructores Europeus de Automóveis (comodamente controlada pela mesma Volkswagen. E aqui o jogo repete-se: Peter Kunze, ex director da Audi, é agora chefe das políticas ambientais da Acea).

Assim: o maior Grupo automobilístico da Europa, com um facturado superior ao de muitos Países, uma alma mais “negra” do que “verde”, com laços indissolúveis no ambiente político. Estão reunidos todos os ingrediente para entrar no Olimpo das grandes multinacionais, perante  as quais a imprensa dobra-se em obsequiosa reverência.

Mas há alguém que tenta combater estas aberrações. Alguém com muitos problemas e que não está imune das críticas. Mesmo assim: alguém. Falamos de Greenpeace.

Fontes: Auto Hoje nº 1133, Guia do Automóvel nº  315, Wikipedia Italia, Fundo Monetário Internacional, VWDarkSide

2 Replies to “O lado obscuro da Volkswagen”

  1. Amei as crianças dançando, a música é linda. Que gracinhas! É o lado bonitinho da força. Desculpe, mas não gosto de carros. O ser humano precisa aprender a usar as pernas, de vez em quando ou vão atrofiar. Como será daqui a vários anos, com essa compra, venda e troca de carros, as vias congestionadas e as pessoas chegando atrasadas aos seus destinos?

Obrigado por participar na discussão!

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