O futuro do passado

As profecias sempre mantiveram um fascínio e não poucas pessoas dedicam-se à interpretação de visões antigas para tentar compreender os rumos do futuro.

Outros preferem ignorar ou denegrir as profecias, consideradas como uma forma de superstição ou de embuste.

A coisa engraçada é que ao mesmo tempo muitas destas pessoas admitem ter fé, serem católicas e acreditar na Bíblia, um texto recheado de profecias.
 
No entanto, um interesse obsessivo por estas questões leva inevitavelmente a perder o contacto com a realidade contingente e acaba com o ser contraproducente: viver na crença de que toda a possível realidade já foi preestabelecida causa imobilidade, pois se tudo já está planeado cada nossa ação ​​torna-se supérflua.


Pessoalmente recuso esta ideia: não há um destino já escrito mas um leque quase infinito de possibilidades. Mas uma profecia não é a capacidade de ler o tal destino: pode ser, eventualmente, a possibilidade de observar o resultado das escolhas que os homens fizeram.
Ou, ainda melhor, entender algumas características que, de forma invariável, voltam a repetir-se. Autênticos padrões.

Ao mesmo tempo é bom não esquecer que a nossa visão ocidental, a visão dum mundo que se desenvolve de forma linear (ontem = passado, hoje = presente, amanhã = futuro) contrasta com as ideias muitas vezes defendidas pelas antigas civilizações, segundo as quais o tempo é circular. 

Complicado?
Nada disso.

É mais ou menos sabido que enquanto o homem moderno tem acreditado e ainda acredita no mito da evolução, as civilizações antigas, quase sem exceção, e até as populações selvagens reconhecem a “involução”, a decadência gradual do Homem.
O grego Hesíodo falava das Quatro Épocas do mundo (Ouro, Prata, Bronze e Ferro), um autentico declínio desde a época do Ouro (a melhor, a mais produtiva e promissora) até a época do Ferro, a mais básica.

Também segundo os Hindus o mundo vive numa contra-evolução: também aqui quatro épocas (chamadas “Yuga“), as melhores das quais já pertencem ao passado. Agora estamos no meio do Kali Yuga, a época mais obscura.

Está tudo perdido então? Nada disso, pois lembrem que a visão é cíclica: depois do Kali Yuga (o período obscuro), voltará um novo Satya Yuga (a Época da Verdade) e tudo recomeçará.

E neste aspecto é interessante observar como é descrito o Kali Yuga, o período que estamos a viver, a época mais decadente. Lembramos: o que segue é um texto que faz parte da obra Vishnu Purana, redigido no segundo milénio a.C.   

Os líderes que reinam na Terra são violentos, tomam posse dos bens dos seus súditos.
A casta dos escravos prevalece.
Curta é sua vida, os seus desejos insaciáveis; conhecem apenas a piedade.
Aqueles que vão abandonar a agricultura e comércio, vão viver através como escravos ou ao praticar várias profissões.
Os líderes, sob pretextos fiscais, roubam e saqueiam os súditos, destroem a propriedade dos privados.
A saúde moral e da lei diminuem dias após dia, o mundo é totalmente pervertido e a maldade prevalece entre os homens.
Motivo de devoção é só a saúde física, e apenas a ligação entre os sexos é a paixão; única via para o sucesso é a mentira, a terra é venerada apenas pelos seus tesouros materiais.
As vestes sacerdotais substituem a qualidade do sacerdote.
A simples lavagem significa purificação, a raça é incapaz de produzir nascimentos divinos.
Os homens perguntam: qual autoridade têm os textos tradicionais?
O casamento deixa de ser um ritual.
Os actos de devoção, mesmo executados, não produzem nenhum resultado.
Cada fim de vida é semelhante para todos indiscriminadamente.
Aquele que possuir e distribuir mais dinheiro é o dono dos homens, que concentram os seus desejos na aquisição da riqueza até desonesta.
Cada homem vai pensar de um Brahman.
As pessoas têm terror da morte e da fome, por isso vai manter apenas uma religiosidade aparente.
As mulheres não seguem as ordens dos maridos e dos País, são egoístas, abjectas, mentirosas
Eles são apenas assunto de satisfação sexual.

O que podemos imediatamente notar é que a realidade descrita neste livro é exatamente o que nós experimentamos todos os dias.
Portanto, é realmente uma profecia? Demonstra que realmente existiram no passado pessoas capazes de prever o desenvolvimento de eventos?

Parece que sim, mas há uma óbvia objeção: de facto pode ser notado que na profecia em questão não é revelado nada de particularmente notável.
O Vishnu Purana fala, afinal, da imoralidade geral do povo, dos sacerdotes, dos religiosos hipócritas, dos governantes que não se preocupam com o bem-estar dos súditos, mas apenas roubam e acumulam riquezas.
Onde está a novidade em tudo isso?
Desde o começo do mundo, essas coisas sempre aconteceram, assim esta “profecia” não é nada “chocante”.

Acho que a natureza extraordinária deste escrito reside na sua “obviedade”.

No 3.000 a.C. existiu alguém capaz de “prever” o lógico desenvolvimento duma sociedade que não conhece apenas a continua “evolução”, mas que também enfrenta a “involução”, algo de muito longe das nossas ideias modernas.

Passaram 5.000 anos e o Homem ainda enfrenta os mesmos problemas que os seus antepassados tiveram que enfrentar. Podemos não gostar do termo “profecia”, mas o que o antigo texto faz é lembrar de que há várias épocas, cada uma caracterizada por alguns traços típicos. E estes traços, estas épocas, voltam, de forma cíclica.

O que vivemos não é novidade, já aconteceu. Com outros nomes, em outros lugares, mas aconteceu.

Uma conclusão pessimista? Depende do Leitor.
Se o Leitor for pessimista, tenderá a ver o copo meio vazio, então sim, o Homem é destinado a crescer para depois inexoravelmente cair (a nossa fase).
Se o Leitor for optimista, então o copo será meio cheio: sim, há grandes dificuldades, mas no fim há sempre um renascimento.

Se o Leitor for como eu, então pensará “O importante é que haja um copo”.

Como sempre, é o Leitor que sabe.

(Nota final: A moral da história? Se o desejo for prever o futuro, nada melhor de que estudar o passado) 

Ipse dixit.

Fonte: Tra Cielo e Terra

7 Replies to “O futuro do passado”

  1. Adorei este artigo!
    Também fico refletindo sobre essa questão do tempo em ciclos..

    Na minha opinião, todo nosso universo é um grande ciclo, e isso inclui todas as formas de vida, matéria, energia, etc. Acho que, absolutamente tudo gira em uma linha circular e nada segue um caminho reto. Imagine o tempo aplicado a isso, e mais, imagine as reações físicas do universo aplicado a esse ciclo, onde tudo que fazemos, de certa forma, qualquer coisa mesmo, até respirar, se reflete ou vai se refletir, ou vai ser uma consequência para outros eventos.

  2. Eu sou um dos que acredita nos ciclos.
    E a meu ver, existe algo de real na questão da profecia Maya. Dezembro 2012 não tem de ser realmente o mês em que algo de sobrenatural acontece, mas pode sim coincidir com uma série de eventos (provocados em grandiosíssima parte pelo Homem) que irão despertar uma mudança de consciência no Planeta.

    Tal como tens dito Max, e muito bem, o sofrimento que se está a instaurar não deve ser visto como algo mau, mas sim como uma forma de acabar com a passividade das pessoas e fazê-las sair do Mundo egoísta em que vivem, para perceberem que lá fora existe mais gente que pensa como eles e que afinal todos almejamos o mesmo: o bem-estar geral.

    Mas de qualquer forma, é esperar para ver…

    Abraço,
    — —
    R. Saraiva

  3. Olá Anónimo! E muito obrigado!!

    Olá Observer!

    Esta coisa do ciclo é interessante. Alguns astrónomos apresentam a possibilidade do Big Bang ser apenas um entre uma série de Big Bang, passados e futuros.

    O Universo assim nascido evolui para depois voltar até o estado inicial e começar um novo ciclo.

    Atenção: não estamos a falar de alguns pseudo-pesquisadores, mas duma teoria bem definida que parte dum modelo matemático, o Big Crunch, para chegar até a teoria do Universo Cíclico.
    Uma possibilidade avaliada também por Einstein.

    Se assim fosse, o resultado seria espantoso: antigas religiões e filosofias já tinham chegado a esta conclusão, substituída sucessivamente pela ideia do tempo que corre de forma horizontal e sempre numa direcção.

    Uma concepçaõ típica da nossa sociedade que, todavia, poderia estar errada.

    E então sim, "tudo que fazemos, de certa forma, qualquer coisa mesmo, até respirar, se reflete ou vai se refletir, ou vai ser uma consequência para outros eventos".

    Um "efeito borboleta" reforçado pela ciclicidade. Dá que pensar, sem dúvida…

    Abraço!!!

  4. Olá Nobre Saraiva!

    Gosto muito desta interpretação. Acredito que em Dezembro de 2012 não irá acontecer nada.

    Nada de prático, entendo: nada de fim do mundo, nada de Nibiru, nada de Annunaki.

    Mas poderia acontecer algo de muito, muito mais importante: como um despertar das consciência colectiva, por exemplo.

    O Homem que volta a ser dono do próprio destino? Que (re)descobre uma grandiosidade há muito enterrada?

    Não seria mais espectacular isso de que planetas erráticos ou alienígenas enervadas?

    Bah, não falta muito afinal…

    Abraço!!!

  5. De um modo geral na minha opiniao pode dizer-se que a Humanidade esta' cada vez mais superflua e desprovida de moral e etica. Para isso basta ligar a televisao e ver os mil e um programas desprovidos de qualquer conteudo.

    Apesar de termos a tecnologia para estarmos mais interligados e informados, julgo que esta, de um modo geral nao tem sido utilizada de forma a reduzir a falta de homogeniedade na sociedade. Pelo contrario o aumento do materialismo tem-se sobreposto 'a consciencializacao social e infelizmente a indiferenca perante o proximo tambem tem vindo a aumentar significativamente.

    Amigo Saraiva falas de que estamos numa fase de sofrimento, mas penso que hoje se vive melhor do que alguma vez se viveu, no que se trata de condicoes de vida basicas. Na minha opiniao o que existe e' um enorme retrocesso na nossa relacao com a natureza pois cada vez tratamos pior o nosso planeta. Estamos a caminhar no sentido inverso pois em vez de estarmos a investir numa melhor preservacao dos recursos naturais e da vida no planeta, optamos antes pela sua exploracao mesmo que isto signifique a sua extincao. Mais do que alguem que eu conheca sei perfeitamente que estas consciente dessa realidade.

    Se estamos na fase de declinio ou nao penso que depende da perspectiva e do contexto em que se faz essa pergunta. Enquanto nao soubermos a razao da nossa existencia diria que tambem nao saberemos a resposta a essa pergunta.

    Algo que me preocupa bastante e' saber que cada vez mais temos capacidade para nos autoextiguirmos- o que a acontecer responderia a todas as nossas duvidas…

    Abraco a todos

  6. "O passado é como um sonho,
    o futuro como uma miragem,
    enquanto que o presente é como as nuvens."

    Profecias de Kali-yuga

    http://www.vedic.com.br/research/pt/kali-yuga-prophecies/

    Digha Nikaya 26

    Cakkavatti-Sihanada Sutta

    O Rugido do Leão ao Girar a Roda

    http://www.acessoaoinsight.net/sutta/DN26.php

    In the past, unskillful behavior was unknown among the human race. As a result, people lived for an immensely long time — 80,000 years — endowed with great beauty, wealth, pleasure, and strength. Over the course of time, though, they began behaving in various unskillful ways. This caused the human life span gradually to shorten, to the point where it now stands at 100 years, with human beauty, wealth, pleasure, and strength decreasing proportionately. In the future, as morality continues to degenerate, human life will continue to shorten to the point were the normal life span is 10 years, with people reaching sexual maturity at five. "Among those human beings, the ten courses of action (see AN 10.176) will have entirely disappeared… The word 'skillful' will not exist, so from where will there be anyone who does what is skillful? Those who lack the honorable qualities of motherhood, fatherhood, contemplative-hood, & brahman-hood will be the ones who receive homage… Fierce hatred will arise, fierce malevolence, fierce rage, & murderous thoughts: mother for child, child for mother, father for child, child for father, brother for sister, sister for brother." Ultimately, conditions will deteriorate to the point of a "sword-interval," in which swords appear in the hands of all human beings, and they hunt one another like game. A few people, however, will take shelter in the wilderness to escape the carnage, and when the slaughter is over, they will come out of hiding and resolve to take up a life of skillful and virtuous action again. With the recovery of virtue, the human life span will gradually increase again until it reaches 80,000 years, with people attaining sexual maturity at 500. Only three diseases will be known at that time: desire, lack of food, and old age. Another Buddha — Metteyya (Maitreya) — will gain Awakening, his monastic Sangha numbering in the thousands. The greatest king of the time, Sankha, will go forth into homelessness and attain arahantship under Metteyya's guidance.
    The story, after chronicling the ups and downs of human wealth, life span, etc., concludes with the following lesson on kamma and skillful action.

    http://www.accesstoinsight.org/tipitaka/dn/dn.26.0.than.html

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