30 anos, o fio vermelho

 30 anos atrás
Sexta-feira, dia 27 de Junho de 1980.

A tripulação do voo Itavia 870 está descontraída: uma ligação normal entre Bolonha e Palermo (Italia), num normal dia de Verão.

Os pilotos conversam:

Assim, são discursos estes? […] Bem, tenho o cabelo branco, faz sentido…  Eh, na Segunda a ideia era encontrar-nos poucas vezes, caso contrário…Apimentada, eh? Então, oiçam esta…olh…

A gravação da caixa preta acaba assim: poucos segundos depois, o Douglas DC-9 precipita no mar Tirreno meridional , não longe da ilha de Ustica, com 81 pessoas, das quais 13 crianças.

Não há alertas, não há pedidos de socorro.

Passados 30 anos, as causas do acidente são ainda desconhecidas.
Oficialmente.

Sexta-feira, dia 18 de Julho de 1980

Os habitantes da aldeia de Castelisilano, Catanzaro (Italia), observam um avião voar a baixa quota, depois um estrondo e fumo. Com os bombeiros alcançam a zona do impacto, uma zona de mato nas encostas dum monte, onde encontram os restos dum caça militar.

É um MiG-23MS da Al-Quwwat al-Jawwiyya al-Libiyya, da aeronáutica militar líbia.
O piloto morreu no impacto.

Passados 30 anos, ainda se desconhecem as razões de tal acidente.
Oficialmente.

Mentiras

Ustica, 27 de Junho de 1980

Oficialmente.
Pois algumas conclusões foram alcançadas.

Os aviões precipitam se houver uma causa, caso contrário continuam a voar.

Um Mig não tem autonomia suficiente para partir da Líbia e atingir as costas da Calábria; e não é invisível, o sistema de radar militar deve detecta-lo.

Apesar da inacreditável cortina de fumo utilizada para encobrir os acontecimentos, apesar das repetidas mentiras de militares, dos serviços secretos, das tentativas para desviar as investigações, a sentença do juiz Priore (Roma, 1999) é clara: mentiram os Italianos, mentiram os Americanos, mentiram os Ingleses, mentiram os Franceses.

O DC-9 da Itavia não precipitou por causa duma avaria, nem por causa duma “falha estrutural”: foi atingido por um míssil, disparado por um caça militar ocidental.

E o Mig precipitado nos montes das Calábria não tinha caído no dia 18 de Julho, mas cerca de 20 dias antes, provavelmente no mesmo dia do voo da Itavia.
E o testemunho dos habitantes, dos bombeiros? Real, mas o que os testemunhos viram foi apenas uma peça de teatro, criada para que a queda do caça não fosse ligada à queda do avião civil.

O juiz Priore é claro: fala de acto de guerra, uma guerra efectiva embora não declarada.

Uma história ainda não clara nos pormenores, mas suficientemente clara no enredo geral: alguma coisa aconteceu nos céus do Mar Tirreno em Junho de 1980, algo que deveria ter ficado despercebido.
Mas assim não foi.

30 anos depois, o que sobra daqueles acontecimentos? Uma certeza, a certeza de que a guerra em curso na Líbia outra coisa não é senão a realização dum velho sonho americano: destituir Khadafi e substitui-lo com um governo “amigo” do Ocidente, para melhor controlar os enormes recursos petrolíferos do País.

E a Líbia também representa apenas uma peça num cenário maior, que tem como pano de fundo a África do Norte e o Médio Oriente.

Os planos e a bomba oportuna

Bolonha, 2 de Agosto de 1980

A última tentativa de “libertar” a Líbia é a do Verão de 1980, com a ideia dum golpe para atingir o leader líbio. 

Mas algo corre mal: o avião civil da Itavia tem o azar de encontrar no próprio caminho a ponte aérea das forças ocidentais, que estão a transferir recursos militares para o Egipto.

O plano é simples e, sobretudo, será retomado três décadas mais tarde: uma sublevação popular.

Oficialmente o programa é uma exercitação militar conjunta na terra das Pirâmides, mas a realidade é bem outra: criar uma força de apoio que possa intervir em ajuda dos “rebeldes” líbios.

O plano não funciona.

Em Agosto há notícias duma grande repressão na Líbia, uma verdadeira limpeza. Khadafi, uma vez evitado o perigo, quer encontrar as bases da revolta no próprio País e eliminar os responsáveis.

Da exercitação militar conjunta no Egipto ninguém volta a falar. 

E em Italia, a atenção é capturada por outro acontecimento trágico: no dia 2 de Agosto de 1980, uma bomba rebenta na estação ferroviária de Bolonha (curiosamente, a mesma cidade da qual tinha descolado o voo Itavia), provocando a morte de 85 pessoas. 

Foi um acto dos terroristas, é a versão oficial.
Sem dúvida, foram os terroristas.

30 anos depois
Novembro de 2010
Terça-feira, dia 2 de Novembro de 2010

França e Grã-Bretanha assinam um acordo sem precedentes em matéria de defesa e segurança.

A exercitação franco-britânica Southern Mistral 2011 é parte do acordo e é programada para ter lugar de 21 a 25 de Março de 2011 em várias bases aéreas francesas.

Nessa ocasião, as forças francesas e britânicas vão realizar operações aéreas conjuntas e um raid específico (Southern Storm), com uma ação de ataque convencional de longo alcance. Este exercício bilateral vai envolver mais de 500 empregados.

Um ataque simulado, mas contra quem?
Na página Conflict Summary do site Southern Mistral (da Armeé de  l’ Air, a aviação militar francesa), é possível encontrar a resposta.

O “imaginário” inimigo é um País chamado Southland (“Terra do Sul”, nem um esforço de fantasia), um País com um governo autoritário, no qual o ditador abandona o poder em favor do filho. A política de Southland fica assim mais agressiva, com operações militares contra o território francês.

No cenário “imaginário”, o Presidente Francês e o Primeiro Ministro Britânico decidem um resposta conjunta, um ataque convencional no interior de Southland, desfrutando uma hipotética resolução do Conselho de Segurança da ONU, a número 3003.

A data do ataque? Entre os dias 21 e 25 de Março.

Este o cenário “imaginário”, estabelecido há mais de um ano, em Novembro de 2010.

Agora temos todos os pontos, é só uni-los. E uma vez unidos, fica mais fácil perceber quanto espontânea é a sublevação popular dos “rebeldes” líbios e quem está atrás deles.

Caso ainda houvesse dúvidas, claro.

Ipse dixit.

Fontes: Southern Mistral, Wikipedia, Andrea Carancini

2 Replies to “30 anos, o fio vermelho”

  1. Mais um prova daquilo já sabemos.

    Só não vê quem não quer. E esse, é o problema – quem não quer.

    O conforto é demasiado…
    …e hoje é dia de bola.

    Cumprimentos,
    — —
    R. Saraiva

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