Gerir um Estado: Manual de Instruções

 

Informação Incorrecta: sempre um passo em frente. Tem que ser.

Por isso, hoje um pequeno manual, que não pretende ser exaustivo mas que pode fornecer importantes dicas para todos os leitores que, fartos da rotina diária, quisessem experimentar algo de novo.

Por exemplo: porque não tornar-se um político? E, no caso, que atitude ter?
Não podemos entrar na arena politica apenas para obter uma vantagem pessoal. Há uma coisa chamada “responsabilidade” que obriga a perseguir o bem de todo o Estado.

Assim nasceu este manual. Sugestão? Imprimam e conservem. Pode tornar-se útil, para si ou para os seus filhos.

O presente

  
Qual a actividade económica que fornece o maior rendimento em Portugal? Produção? Exportação? Gestão?

A actividade económica mais rentável, nesta altura, não é produzir nova riqueza, não é investir a longo prazo: é subtrair a riqueza existente.

Portugal é um País onde as actividades produtivas ou deixaram de existir ou estão a deixar, juntamente com a capacidade tecnológica e muitos empresários e engenheiros e pesquisadores.

Uma condição que é possível encontrar em outros Países da União Europeia, também.

Produzir nova riqueza é economicamente racional, especialmente em tempos de globalização, onde as condições são propícias, isso é, onde haja boa governação, boas infra-estruturas, técnicos especializados, alta produtividade por hora, com custo de trabalho razoável, impostos baixos.

Nestas condições, é racional fazer investimentos e planos de longo prazo. Onde existem as condições opostas, o melhor é explorar quem produz riqueza.
Temos uma classe politica incapaz e corrompida? Os sindicatos são ineptos? A máquina administrativa é enorme, sobre-dimensionada e ineficaz? A nossa política é dirigida por Países estrangeiros, como no caso da União Europeia? As autoridades de controle não controlam?

A tudo isso, Portugal acrescenta um sistema educacional cada vez mais pobre e atrasado, uma população envelhecida, improdutiva e que necessita de apoio, e uma enorme dívida pública.

Pensem nisso: trabalhar nestas condições é apenas teimosia. Muito mais racional passar o próprio tempo na tentativa de entrar na posse da riqueza dos outros.
Atenção: não é roubar, actividade ilícita e sempre condenável.
É especializar-se num área institucional de grande prestigio: a politica.

Ao lubrificar as engrenagens certas, podemos obter a colaboração ou conivência dos outros políticos, dos sindicatos e dos tribunais. É irracional esperar um esforço geral para relançar o País: não é a altura, não é a fase apropriada.

Com este cenário, quais são os métodos utilizados para roubar a riqueza dos outros?

Seis métodos infalíveis

Esqueçam o plano internacional: Países como a Alemanha, a França (por enquanto), os Estados Unidos (por enquanto) não deixam margem. Entraram no jogo muito mais cedo e a vantagem deles é grande demais.
Melhor concentrar as nossas atenções no panorama interno.

1. Privatizações

Em primeiro lugar: privatizar. Há um sector estatal que mais ou menos funciona? Cria riqueza? É vender, já.
Ou, no mínimo deslocar para o estrangeiro.
Caso haja reclamações, lembrem: tudo isso é feito porque o País enfrenta graves dificuldades financeiras, é doloroso mas inevitável.

É uma justificação velha, mas continua a funcionar. 

2. Sanidade

Uma excelente oportunidade é oferecida pelo sector da sanidade.

Muito corrompido e ineficiente, tem nos concursos uma autêntica mina: é possível acumular grandes lucros com as subvenções estatais, mas não podemos esquecer o papel das casas farmacêuticas, sempre prontas a pagar para vender os próprios medicamentos, mesmo que inúteis.

De qualquer forma, é sempre de dinheiro dos cidadãos que estamos a falar, pois o nosso objectivo prioritário é este. 

3. Serviços

Aproveitando o monopólio dos serviços públicos essenciais e/ou impostos por lei, podemos desfrutar a nossa posição para impor sobretaxas de um lado e poupar nos serviços: água, electricidade, lixo, etc.
A maioria das empresas pertencem, pertenciam ao Estado ou são de tipo misto. Aumentaram os preços e o serviço permaneceu inalterado; em qualquer caso até piorou.
Temos muito que aprender com estas pessoas.

4. Impostos

A subida dos impostos é a forma mais óbvia para obter o dinheiro dos cidadãos.
Mas atenção: para ser um político de sucesso, temos antes demais que participar numa eleição, numa qualquer, e ao longo da campanha eleitoral falar de subida dos impostos é um erro fatal.
O nosso programa apontará exactamente no sentido oposto: redução dos impostos para as faixas sociais mais desfavorecidas, aumento para os mais ricos.

É boa prática acrescentar algumas notas acerca da “luta à evasão fiscal”.

Problema: como aumentar os impostos depois de ter prometido o contrário?
Este é na realidade um falso problema.
Lembrem que antes de nós havia outros políticos na cena, para os quais pode ser sempre atirada a culpa da situação actual, que requer medidas extraordinárias.

Os políticos mais experientes, os que ocupam os cargos mais em vista, conseguem até afirmar que os impostos não foram aumentados, enquanto todos sabem o contrário.

Uma vez aumentadas as taxas, é preciso passar à fase prática: obter o dinheiro. Isso é fácil.
Lembrem que, usualmente, as grandes empresas (as poucas que sobreviveram, óbvio) têm amizades políticas, por isso tentar obter lucros aqui é tempo perdido.

Muito mais rentável perseguir o comum cidadão. Pedir duas ou três vezes a mesma coima pode dar resultados: há sempre alguém distraído ou que perdeu o recibo.
Nós podemos sempre justificar esta autêntica fraude com um sistema informático imperfeito e, nos casos mais complicados, instituir uma comissão de inquérito (esta será formada por outros políticos, por isso não temos que esperar problemas).
No entanto, não esqueçam de aumentar os custos judiciais: isso para tornar um eventual recurso economicamente não viável e para subtrair o dinheiro dos mais obstinados.

Também ameaçar com procedimentos penais funciona; e podemos até recorrer a instrumentos primitivos e bárbaros (como as maxilas que bloqueiam as rodas dos carros): afinal operamos em regime de monopólio.

5. Corrupção

Muitas vezes a única saída é a corrupção.
Reflectimos: os antigos e previdentes políticos criaram um Estado totalmente ineficaz, no qual uma empresa, para poder competir num mercado cada vez mais global, ou evade o fisco (e por isso temos as coimas) ou suborna.
Não há outras opções: custo do trabalho, custo dos serviços, da electricidade, pressão fiscal, escassa qualidade das infra-estruturas, da justiça, da formação, uma administração pública que não só não facilita mas atrapalha.
Tudo isso torna impossível produzir e competir. A única solução lógica é o suborno.

Por isso temos que ficar prontos: com o aparecimento dos primeiros sinais, temos de aproveitar a situação, mostrar que sim, de facto algo poderia ser feito, que as práticas poderiam seguir um percurso mais rápido, que as concessões poderiam ocupar as posições de topo nas pilhas que ficam à espera; mas também devemos lembrar que não é simples, que há dificuldades.
Um empresário percebe logo onde o discurso quer parar e o negócio fica fechado.

6. Sindicatos

Em qualquer processo de exploração, os sindicatos desenvolvem um papel de primeiro plano.

Estes, afinal, representam os trabalhadores, uma grande percentagem da população. Um sindicato sério e zangado é um verdadeiro perigo: pode canalizar o mau humor dos trabalhadores para criar situações desagradáveis, até obrigar um governo a tomar decisões justas.

A nossa tarefa, portanto, será a de controlar os sindicalistas, de forma que estes mantenham uma aparência de “social” enquanto participam no banquete.

Em parte, os sindicatos já fazem isso enquanto emanações de partidos políticos. Em parte têm que confirmar de vez em quando o papel institucional, pois estão em continuo contacto com os cidadãos. Por isso é contraproducente impedir manifestações, condenar greves: estas são parte do aparato cénico e não podem ser excluídas.

O bom político avançará com criticas, sem dúvida, mas deixando a porta aberta para a fase seguinte: a contratação.

É nesta fase que o verdadeiro político ganha destaque: dum lado temos os trabalhadores, com as justas (na óptica deles) reivindicações; do outro lado estamos nós, com os objectivos opostos; no meio os sindicatos, que bem percebem a nossa posição mas que estão sob pressão.

O truque é simples: conceder o mínimo, ceder em aspectos marginais, sem prejudicar o conteúdo. E, sobretudo, promessas.

O resto será obra dos sindicatos: estes são treinados para transformar uma derrota numa grande vitória da classe operária.

7. Sector bancário

Agora observamos o mercado: porque existem tantas empresas que oferecem crédito? Porque esta é outra área rentável. É aqui que uma participação num banco se torna útil. Até uma simples amizade pode dar um grande proveito.

Pensem em todas as pessoas que, por várias causas, ficam sem dinheiro; pensem nos esforços que estes coitados poderão fazer para salvar a própria casa, o próprio negócio.
Não são patéticos? Pois são. E nós estamos aqui para tratar deles.

Penhorar, sequestrar, praticar a usura: este é o segredo. Os bancos podem pedir juros elevados, inserir cláusulas prejudiciais nos contratos: ao ter uma participação num banco, lucramos com tudo isso. E, em qualquer, caso, obtemos proveito a partir dos custos judiciais.

Esta modalidade tem uma mais valia: neste caso, de facto, a percepção do cidadão não será a der ser defraudado pelo Estado, mas por uma instituição privada. É uma espécie de “crime perfeito”.
Pode ser difícil entrar no sector bancário, encontrar as amizades justas, pois é uma área bem protegida.
Mas o esforço compensa.

O futuro

Para acabar, uma observação: esta fase de exploração tem um último efeito benéfico, de longo termo.
Uma vez subtraídos todos os recursos, temos na nossa frente um época dourada: a época da reconstrução. Esta será a melhor altura para investimentos produtivos, para relançar o País.

Nesta fase será possível soltar as rédeas (mas sem exagerar, óbvio) e esperar que a economia siga o próprio curso de forma natural.

Será o começo dum novo ciclo.

Uma verdadeira palengênese, na melhor tradição budista.

Ipse dixit.

6 Replies to “Gerir um Estado: Manual de Instruções”

  1. Olá Anónimo!

    Não vou apagar o teu comentário: pois és livre de acreditar ou não, mas estava à espera de algo como isso.

    Entre tantos comentário inteligentes, o leitor ocasional poderia ter pensado: Mas será preciso ter matéria cinzenta para comentar neste blog?

    Tu, finalmente, demonstras que até os mais atrasados não são censurados.

    E por isso agradeço.

    Um abraço e volta sempre!

  2. Oh não, Max!!

    Trouxe a luz o 'modus operandi' da classe política…

    Eles de fato não gostarão da concorrência de possíveis aspirantes.

    hehehehehe

    Abraços!!

  3. Se não quer ler o blog, vá-se embora anónimo… Apoio o autor deste blog pela informação coerente e o modo como a trata e apresenta ao publico. Enquanto puder Max, mantenha o seu blog a funcionar. (Sem prejuízo para a sua vida no dia a dia, pois a escrita e tratamento de dados consomem imenso tempo).
    J.R.

Obrigado por participar na discussão!

This site uses User Verification plugin to reduce spam. See how your comment data is processed.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: