Entrevista: Nouriel Roubini

Os leitores de Informação Incorrecta já conhecem o pensamento de Nouriel Roubini.

Economista turco, docente na Universidade de New York, em 2005 Roubini dizia que o sector imobiliário estava podre e que cedo levaria a uma profunda crise.

Considerado um idiota na altura, hoje é visto como um sábio.  

O alemão Der Spiegel publica uma entrevista na qual o economista faz o ponto da situação e fala das perspectivas futuras:

Professor Roubini, você tem uma participação especial na próxima sequela do filme “Wall Street”. Quem representa?

Represento mim mesmo. Mas é apenas um pequeno papel. Há uma certa cena depois que o Lehman entra em colapso onde sou entrevistado como “Dr. Doom”, preocupado com o sistema financeiro global.

Também actuou como consultor de Oliver Stone, o director do filme?

Eu não era um consultor formal, só o ajudei com alguns conselhos. Encontrámo-nos um par de vezes e ele perguntou-me acerca da crise financeira. Ele também chegou a um evento social com os clientes da minha empresa, ele queria conhecer os gestores de hedge funds. Cheguei um pouco acidentalmente ao meu papel no filme como “Dr. Doom”.

Tem este apelido, é claro, porque previu a crise financeira num momento em que muitos outros economistas ainda estavam cheios de optimismo. Ainda é pessimista sobre o futuro da economia global?

Primeiro de tudo, eu não sou um pessimista. Não sou sempre negativo sobre o futuro. Prefiro, sim, avaliar a situação correctamente. Mas se olho para o quadro económico do mundo agora, eu ainda vejo muitas nuvens escuras.

De acordo com o Fundo Monetário Internacional, a actividade económica está em alta novamente com as previsões de crescimento de 4 por cento este ano. Não é este um motivo para Dr. Doom entregar-se ao Dr. Boom?

Eu sou um realista. Eu só posso ver alguns pontos positivos em alguns países como China, Índia ou Brasil. Mas o resto? A recuperação económica dos E.U.A. tem sido anémica, o Japão parece em coma, e a Europa está enfrentando um “duplo mergulho”. O continente está vulnerável a cair novamente em recessão. Mesmo antes do choque grego, o panorama era bastante moderado, mas agora o crescimento da zona euro está mais próximo de zero.

O que acha sobre os perigos apresentados pela Grécia?

Hoje os mercados estão muito preocupados com a Grécia, mas isso é apenas a ponta do icebergue. Cada vez mais alarmes do mercado obrigacionista acordam em lugares como o Reino Unido e a Irlanda. Mesmo os E.U. e Japão vão ter problemas por causa dos  enormes deficits orçamentais. Talvez não este ano, mas eles irão, eventualmente. Nos E.U.A., estados como a Califórnia, Nevada, Arizona, New York e Florida têm enormes problemas fiscais. Os défices orçamentais crescentes e as enormes dívidas governamentais são o que realmente preocupam mais.

É realmente a coisa certa a fazer para o FMI e a UE ajudar a Grécia com 110 bilhões?

Isso é só chutar a lata abaixo da estrada por um ano. Temo que a Grécia, mais provavelmente, não tenha só falta de liquidez, mas seja insolvente mesmo . E fornecer um país insolvente com dinheiro e forçando-o a fazer cortes dolorosos não vai ajuda-lo. Mesmo com impostos aumentados e gastos cortados, a Grécia não vai necessariamente tornar-se mais competitiva. Pelo contrário, a produção pode cair, o desemprego pode subir e mais quota de mercado será perdida. Precisamos de um plano B.

Como deveria ser este plano B?

É necessário começar com uma reestruturação da dívida. Temos de encontrar uma solução viável para devedores e credores. E também temos de trabalhar para ajustes fiscais dos países da zona euro, como Portugal ou Espanha.

Acha que o governo alemão concordaria com isso? Os bancos alemães teriam problemas.

Certamente, mais de € 300 mil milhões de dívida pública da Grécia é detida por não residentes, na maior parte instituições financeiras da Alemanha, França e Suíça. Teriam que renunciar a uma parte disso. Muito tempo já foi perdido, ignorando a crise grega. Sem um plano B, se a Grécia cai de uma forma desordenada, então o efeito domino, a bater na Espanha, Portugal e outras partes da zona euro, pode ser muito rápido e perigoso. Eventualmente, isso poderia levar a uma destruição da união monetária.

Será que a chanceler alemã Angela Merkel piorou as coisas ao não reagir rapidamente perante a a crise?

Sim, a UE perdeu vários meses preciosos na concepção de um pacote de apoio para a Grécia, em parte devido à resistência dos políticos alemães. Política interna alemã e crescente cepticismo sobre a união monetária europeia levaram a uma resposta política atrasada que prejudicou os esforços para conter a crise grega e impedir de infectar outras partes da zona euro.

A união monetária foi um erro?

Eu não iria tão longe. Mas poderia ter sido um erro admitir tantos países tão cedo. Um pequeno núcleo de países que são economicamente mais homogéneos, fiscalmente mais sólidos e comprometidos com as reformas estruturais teriam constituído uma união monetária bem sucedida. O problema é que, uma vez que estão lá não há saída sem causar muitos danos.

Hoje, é uma crise da dívida. Antes, era uma crise bancária. E antes uma crise imobiliária. Devemos habituar-nos constantemente a ser atingidos por novas crises?

Acho que sim. No meu novo livro, mostro que as crises são parte do DNA do capitalismo. Eles não são a excepção, mas sim a regra. Muitos elementos vitais para o capitalismo, como a inovação e a assunção de riscos, também despertam colapsos frequentes. E o que nós enfrentámos agora pode ficar muito pior no futuro.

Você faz parecer como se as crises fossem inevitáveis.

Não são inevitáveis. Mas se você olhar para a história, vai ver padrões repetidos – como a política monetária excessivamente frouxa e regulação fraca. E vamos vê-los novamente. Provavelmente teremos mais crises no futuro.

Há um padrão para as crises?

Nenhuma crise é idêntica, mas muitas delas são similares. Há uma fase de boom e bolha antes da explosão e da queda. As pessoas vêem o valor de determinados bens, como as casas, subir; então utilizam estes activos como garantia para empréstimos excessivos e, portanto, há uma acumulação de leverage no sistema financeiro. E então, quando a bolha rebentar, o valor dos activos cai e as pessoas são presas com toda essa dívida que não podem pagar.

Mas como reconhecer uma bolha?

É difícil. Fico desconfiado quando as pessoas dizem, desta vez é diferente e essa inovação vai mudar radicalmente a maneira como vivemos e trabalhamos e que vai levar a longo prazo a um enorme aumento da riqueza real. Durante a bolha da tecnologia, havia pessoas que escreveram livros com títulos como “Dow em 36 mil.”

Actualmente, muito dinheiro vai para commodities como petróleo e cobre. É esta a nossa próxima bolha?

Possivelmente, é uma das minhas principais preocupações neste momento: estamos decididos a salvar a economia global inundando o mundo com um montante maciço de liquidez. Agora corremos o risco de cometer o mesmo erro feito durante o último ciclo.

Mas o que teria sido uma alternativa aos programas de estímulo e intervenção dos bancos centrais? Deixa-lo aos mercados poderia ter levado o mundo a uma depressão.

É verdade. Mas temos que ter cuidado para não ir por esse caminho por muito tempo. Caso contrário, corremos o risco de criar bancos zombie e empresas que são mantidas vivas artificialmente. Também, olha o que está acontecendo com o sector bancário. Começámos com um problema “demasiado grande para falir”, e parte da resposta política à crise tem sido ainda mais consolidação financeira. JP Morgan assumiu a Bear Stearns e Bank of America adquiriu a Merrill Lynch. O que temos agora é que as instituições financeiras são ainda maiores. Estas instituições, mais do que antes, sabem que ao fazer algo de perigoso, algo imprudente, vão ser salvas novamente.

Instituições que são muito grandes deveriam ser repartidas?

Por que não? A abordagem política oficial tem sido, vamos criar um regime de resolução para um fecho ordinário. A minha preocupação é: como você, de forma ordenada, fecha uma instituição financeira que opera globalmente como Goldman Sachs e Morgan Stanley, no meio duma próxima crise? É muito arriscado, e no final seria: vamos socorre-los novamente.

Mas como determina que é demasiado grande para falir?

Se eu tivesse que pensar sobre os parâmetros que definem uma instituição sistémica importante, com certeza o tamanho dos activos e passivos, assim como a quota no sistema financeiro e no PIB, são relevantes. Certamente a quantidade de leverage e os passivos não só dentro mas também fora do balanço são importantes. Como é crucial a forma como a instituição está no sistema de compensação e de pagamento também é importante. Afinal, não é muito difícil descobrir quais são.

O Presidente dos EUA, Barack Obama, apresentou planos para a reforma financeira, incluindo a assim chamada “regra Volcker” e outros regulamentos para limitar o tamanho dos bancos. É necessária uma regulamentação mais drástica?

É um bom começo, mas estou a pensar numa direcção ainda mais radical. O modelo de supermercado financeiro, obviamente, não funcionou. Uma instituição na qual você tem tudo num só lugar, banca comercial, banca de investimento, hedge funds, seguro e muitos outros serviços financeiros, torna-se complexa demais para ser administrada. Nenhum CEO pode efectivamente controlar isso. Então, tudo isso precisa também de ser dividido em pedaços. Se você tiver muitas instituições diferentes, que fazem ofertas de tipos de serviços financeiros, nenhuma delas será sistemicamente importante.

Quase 100 anos atrás, o governo dos EUA rompeu a Standard Oil e o mundo acabou com peças que se tornaram maiores do que o original.

O que proponho remonta a restrições tipo Glass-Steagall Act entre os bancos comerciais e de investimento, regras que já existiram até cerca de 10 anos atrás. E funcionaram bem.

Que outras reformas financeiras considera indispensáveis?

Os mercados dos derivativos têm que se tornar mais transparentes e a segurança tem de ser regulamentada mais rigorosamente. As instituições financeiras precisam mudar os próprios sistemas de compensação de modo que não percam de vista os interesses a longo prazo. E as agências de rating precisam ser forçadas a mudar o modelo de negócio para que os conflitos de interesses já não sejam um problema.

Infelizmente, parece um pouco utópico que as reformas de grande alcance sejam “empurradas” mesmo agora.

Eu não espero que as minhas opiniões sejam implementadas durante esta crise. Poderíamos ter que esperar até a próxima, até propostas mais radicais podem ser consideradas. A minha preocupação é que, se não criamos um sistema onde estas crises ocorram com menos frequência, então a reacção que temos visto nos últimos tempos contra as economias de mercado orientado, contra as reformas, contra a globalização, contra o livre comércio, poderiam tornar-se mais severas da próxima vez. A lição é, na verdade, que se uma outra crise viesse a ocorrer nestes contextos seria ainda mais virulenta do que a última, ainda mais prejudicial e onerosa. Simplesmente não podemos permitir isso.

As suas propostas de reforma são frutos da crise actual. Será que também funcionam para evitar qualquer tipo de crise financeira futura?

Não podemos fazer as crises desaparecer completamente. Mas se podemos torna-las menos frequentes, menos virulentas, isso seria já um sucesso.

Fonte: Der Spiegel
Tradução: Massimo De Maria

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