Obama e o nuclear bem comportado

El Pais, diário uruguaio, titula na edição de hoje:

Países de acordo na luta contra o avanço do terrorismo nuclear.

Interessante. Também porque até hoje não foi visto nenhum terrorista nuclear. Mas o perigo existe, encontrar urânio não é tarefa impossível para quem deseja construir a própria atómica caseira. Diz o presidente dos EUA:

Cada dia está mais claro que o perigo do terrorismo nuclear é uma das maiores ameaças para a segurança mundial, para a nossa segurança colectiva.

E todos concordamos.

As redes terroristas, como Al Qaeda, tentaram adquirir o material para uma arma nuclear, e se conseguirem com certeza irão utiliza-lo.

Podia ter faltado uma referência à Al Qaeda? Claro que não.

Mas continuamos com o nosso discurso.

Seria possível realçar que, até hoje, só um País utilizou a arma nuclear; que Obama é o presidente do País que mais armas nucleares detém; que o melhor aliado dos EUA, Israel, recusa revelar o número de armas atómicas na sua posse; que outro aliado, o Paquistão, recusa aderir ao Tratado de não proliferação… Mas estes são pormenores que não invalidam a bondade da iniciativa.

Infelizmente (ou talvez não) há sempre quem queira ver além do óbvio. E Informação Incorrecta está aqui mesmo por isso.

Manlio Dinucci é um geógrafo, atento ao que se passa no mundo.

Em Voltairenet publica o seu ponto de vista acerca desta cimeira.

O começado em Washington é o maior summit convocado nos últimos 65 anos por um presidente dos Estados Unidos: chefes de estado e de governo de 47 Países.

Tema central a “segurança nuclear”. O presidente Obama lançou o alarme: “O mais imediato e extremo perigo hoje é o terrorismo nuclear.” A esta ameaça, sublinha-se em Washington, acrescenta-se a da proliferação nuclear: acusa-se assim o Irão, e em subordem a Coreia do Norte, de perseguir ambições nucleares, violando o Trip, Tratado de não proliferação. A proposta basilar feita por Obama no summit é de reforçar o controle de todos os quantitativos de urânio altamente enriquecido e de plutónio.

Paradoxalmente, todavia, são os mesmos Estados Unidos e as outras potências nucleares, protagonistas do summit em Washington, que favorecem a proliferação das armas nucleares. Numa situação em que um pequeno grupo de Estados pretende ficar na posse destas armas e continua a actualiza-las, é cada vez mais provável que outros tentem obtê-las. Além dos nove Países na posse de armas nucleares, existem no mínimo 40 outros Países capazes de construi-las.

De facto, não existe uma clara separação entre utilização civil e militar da energia nuclear e, dos reactores, é possível obter urânio altamente enriquecido e plutónio úteis para o fabrico de armas nucleares. Calcula-se que no mundo exista uma quantidade destas matérias suficiente para fabricar mais de 100.000 armas nucleares, e a produção não pára: temos mais de 130 reactores nucleares “civis” que produzem urânio altamente enriquecido.

O que fazem os Estados Unidos, promotores do summit, para garantir a segurança nuclear é demonstrado pelos factos. No dia 29 de Março fecharam em Nova Deli um acordo segundo o qual fornecerão à Índia combustível nuclear “apagado” para ser reprocessado e obter assim urânio e plutónio. É assim operativo o acordo de 2008 (administração Bush) para o fornecimento à Índia de material e tecnologia nuclear. Em troca, a Índia empenha-se a aderir parcialmente ao Trip, com inspecções em 14 centrais nucleares mas ficando com 8 destas (militares) fora do controle.

 Em vermelho as centrais nucleares na Índia

Os programas de Nova Deli prevêem o desenvolvimento exponencial da indústria nuclear, que abre um mercado avaliado em 150 bilhões de dólares e ao qual os EUA querem ter acesso com a venda de reactores e tecnologias, de facto, para utilizo civil e militar. Existe, todavia, a concorrência da Rússia, que assinou outro acordo para o fornecimento de tecnologias nucleares, sempre com a Índia

Na mesma mesa, juntamente com o primeiro ministro indiano, senta o homólogo do Paquistão, aliado dos EUA mas que nunca aderiu ao Trip. Tal como a Índia, está na posse de um arsenal avaliado em 70-90 armas nucleares. Agora, confirma The New York Times, perante o acordo Washington-Nova Deli, o Paquistão está a construir três novos estabelecimentos para realizar uma “segunda geração de armas nucleares“.

Na mesma mesa o outro aliado dos EUA, Israel (representado pelo ministro da intelligence e da energia atómica, Dan Meridor), que não adere ao Trip nem admite oficialmente ter armas nucleares, embora as avaliações apontem para algumas centenas. Fora de qualquer controle, acumulou uma quantia de plutónio avaliada em cerca de meio quintal, e continua com dezenas de quilos cada ano. Não foi convidado o Irão, que adere ao Trip e não tem armas nucleares. Presentes a França, que forneceu a Israel o primeiro reactor para o fabrico de armas nucleares, e a Alemanha que, com os Estados Unidos, contribuiu a potenciar as forças nucleares israelitas com o fornecimento de três submarinos Dolphim, capazes de disparar mísseis nucleares.

Mas, para não desiludir os aliados árabes, os EUA assinaram uma série de acordos para o fornecimento de tecnologias e material nuclear aos Emirados, Arábia Saudita, Bahrain, Egipto, Marrocos, Argélia.

Abriu-se assim uma grande campanha promocional, em que participam também França, Japão, Rússia e China, para vender centrais nucleares chaves na mão no Médio Oriente e na África do Norte. Desta forma espalham-se as tecnologias “civis” que permitem construir armas nucleares. Tudo isso para a “segurança nuclear”.

Manlio Dinucci

Voltando à questão israelita, vimos como Netanyahu não tomou parte ao summit, e isso após a Turquia e o Egipto terem levantado problemas acerca do arsenal de Tel Aviv.

Como sublinha Informazione Scorretta, reportando um artigo do diário La Repubblica:

A decisão foi tomada – explicam os funcionários citados pelo ‘Haaretz’ – com a preocupação que um grupo de Países liderados por Egipto e Turquia peça que Israel adira ao Tratado de Não Proliferação Nuclear.

Aderir ao Tratado?

Nem pensar.

Isso obrigaria Jerusalem a abrir o reactor nuclear de Dimona (e os outros, se existirem) aos inspectores da AIEA, ou aceitar as sanções caso não o fizesse, como por exemplo acontece com Teheran que, pelo contrário, ao Trip adere.

E, não sei porquê, mas após estas considerações sinto-me mais tranquilo, mais “seguro nuclearmente”…

Ipse dixit.

Fontes: El Pais, Voltairenet, Informazione Scorretta
Foto: Reuters
Tradução: Massimo De Maria

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