GEAB 42 – Parte II: Três tendências fundamentais que irão piorar a crise na segunda metade de 2010

Eis a segunda parte do GEAB nº 42.

O link para a primeira parte encontra-se aqui.

Três tendências fundamentais que irão piorar a crise na segunda metade de 2010
Atrás das muitas palavras que indicam pomposamente a saída da crise uma vez acabadas as politicas de ajuda, esconde-se uma verdade muito simples, uma verdade que nem os governos nem os bancos centrais sabem ou querem comunicar: não sabem o que fazer, quando fazer ou como; nem se seria melhor actuar sozinhos ou com outros actores globais.

Na verdade, se a falta de preparação para a crise derivou da incapacidade dos leader mundiais em imaginar a aproximação destes tempos, agora é a incapacidade em julgar de forma correcta a real situação de economia e a interacção das medidas extraordinárias em todo o planeta que os obriga a permanecer passivos

Desde agora até o fim deste semestre, tal ausência de acção desaparecerá em favor de reacções aos eventos sociais, económicos e políticos.
Tudo acontecerá num contexto de total desordem, em que a tendência de “cada um por si” fica cada vez mais clara, tal como ficou claro já no final de 2009.

Esta situação de paralisia intelectual explica porque, desde há meses, nos meeting dos banqueiros ou nas conferências do G20, seja possível ouvir declarações positivas acerca da inevitável conclusão das medidas de emergência de 2008/2009 enquanto podemos observar como as mesmas permaneçam inalteradas.

Como sempre acontece em casos como este, o “ímpeto” definitivo irá começar como reacção a algo de repentino e não como reflexão estratégica e calculada.

A recusa em enfrentar a questão crucial de uma reformulação do sistema monetário internacional, evidente ao longo de 2009, cria uma situação de constante deslize e um sistemático choque de interesses entre os grandes actores globais: prioridades divergentes entre as zonas Euro e Dólar, tensões entre Pequim e Washington acerca do cambio Yuan-Dólar, etc., numa situação que a partir de agora incluirá contactos não limitados ao comércio mas como da diplomacia também.

As três tendências fundamentais
Neste número do GEAB, o nosso grupo escolheu antecipar o desenvolvimento das três tendências que, na nossa óptica, irão contribuir para um piorar da crise na segunda metade de 2010, isso é:

1 – A explosão da bolha das dívidas públicas e o consequente crescimento da impossibilidade dos Estados para efectuar pagamentos.

2 – O impacto fatal do sistema bancário ocidental entre as faltas de pagamentos e o muro das dívidas em maturação.

3 – A inevitável subida das taxas de juro.

Estas três tendências são interligadas pois, no fundo, baseiam-se na mesma simples verdade: a necessidade de financiamentos a curto prazo do sistema bancário mundial e dos Estados ultrapassa, nesta altura e muito, a disponibilidade de poupanças.
1. A explosão da bolha das dívidas públicas e o consequente crescimento da impossibilidade dos Estados para efectuar pagamentos
Nesta altura estamos no começo duma gigantesca vaga de reembolsos e/ou re-financiamentos de empréstimos contraídos no final do período pré-crise (2005/2007) – isso é, contraídos ao longo duma altura de total irresponsabilidade financeira – em particular naquelas áreas nas quais o lucro colapsou devido à crise ou onde o valor atribuído foi “imaginário”. 
Dito de outra forma, chegou a altura de pagar a conta para quem pensou (investidores dos imobiliários comerciais, Estados, cidades insolventes, etc.) de poder obter almoços grátis nos anos 2005/2007.
O perdurar da crise económica cria o pior cenário possível para qualquer reembolso ou re-financiamento:

  • Dum lado, a crise provocou uma queda das margens de lucro para quase todas as actividades económicas (as que não fizeram bancarrota), com uma margem flutuante entre o 2 e 5% face o 10% e mais prospectado ao longo do período 2005/2007.
  • Do outro lado, como sempre acontece nas alturas de crise, a competição para aceder aos financiamentos chegou a transformar-se numa verdadeira luta envolvendo proprietários imobiliários, financeiros, governos centrais e locais e até os bancos.

Como antecipámos há mais de dois anos, com o desaparecimento de 30 trilhões de “bens fantasma” em 2010 será possível assistir ao começo duma “dança dos danados” na qual, na tentativa de sanar as próprias dívidas, cada proprietário de imóveis, actividades económicas, autoridade, instituição financeira e Estado será empenhado na desesperada procura de recursos ou lucros (com os quais já não pode contar por causa da perda de emprego, queda dos lucros, queda das entradas fiscais ou custos acrescidos devido à mesma crise) ou na tentativa de renegociar os próprios prazos e obter novos créditos numa altura de pouca oferta face à grande procura.

Uno dos exemplos mais claros desta situação é, sem dúvida, o efeito de exclusão causado pelas enormes necessidades de financiamento público dos EE.UU.: as actividades económicas e imobiliárias são marginalizadas perante uma crescente necessidade de crédito por parte do Estado; do lado internacional, os Estados em condições económicas frágeis ficarão excluídos do crédito ou serão obrigados a pagar pesados custos acrescentados enquanto ficam incapazes só de pensar em pedir ajuda.

A tal propósito, em 2010 será possível observar uma surpreendente difusão do conceito de dívida soberana em risco: depois de ter aparecido na Islândia em 2008, estendeu-se à Letónia, Irlanda, Califórnia e Dubai em 2009 e agora com a Grécia. Portugal e Espanha não terão muitas dificuldades neste sentido pois a Eurozona está a testar na Grécia uma própria maneira de sustentar os Países em dificuldades e estes dois Países constituem um risco previsto e gerível.

Numa segunda fase a vaga atingirá o Japão, o Reino Unido e os EE.UU.: os três riscos que o sistema recusa em reconhecer e para os quais não existe uma solução viável pois constituem os pilares do sistema.
Grã Bretanha

Por causa das próximas eleições de Maio, o Reino Unido é ignorado pela imprensa internacional que utiliza a Grécia como diversivo. 

Todavia, assim como referido anteriormente, a situação financeira do Reino Unido continua a deteriorar-se.
Por razões basicamente eleitorais, o esboço do balanço assim como as decisões do Banco da Inglaterra tentam dissimular problemas crescentes: por parte do governo, existe um balanço que contrasta com a necessidade de redução das despesas num prazo não inferior aos 5 anos (mais provavelmente para uma inteira década); enquanto o banco central anuncia a suspensão do “quantitative easing”, isso é, da “monetização”, mesmo ao saber que ninguém tenciona actualmente adquirir os Gilts (títulos do Estado britânico). 
Situação, esta, sustentada por uma campanha mediática que fala de um Europa em dificuldade e permite ao eleitor Inglês de ficar satisfeito com as supostas capacidades de previsão dos responsáveis políticos e económicos da Grã Bretanha, graças aos quais (pensam) podem evitar os obstáculos que encontram os Países continentais; isso enquanto fica escondido o simples facto que o sistema bancário da Grã Bretanha já não faz parte do grupo dos mais seguros segundo as avaliações de Standard & Poor).
Para a politica inglesa é um truque para ganhar as eleições, para o mundo real é a garantia duma grave crise, logo a seguir das eleições, ao longo da fase de “volta à realidade”. Nós ficamos na dúvida se o governo britânico será capaz de aguentar tal situação até o dia das eleições.
Lembramos a incapacidade mostrada pelo partido republicano para impedir a crise de Wall Street antes das últimas eleições presidenciais.
Estados Unidos
Nos Estados Unidos, onde no ano eleitoral é possível observar tudo e o contrário de tudo, nota-se um distanciamento entre as declarações (e as estatísticas) e a realidade.
Tomando como indicador único a aquisição de títulos de Estado, temos dum lado o governo federal e a Federal Reserve que declaram que “vendem como o pão” enquanto a necessidade de ulteriores vendas cresce com a explosão da dívida pública.
Doutro lado, o principal comprador de títulos de Estado dos EE.UU. destes últimos anos (a China) bloqueia as aquisições e tem como objectivo a redução da quantia actualmente na sua posse.
Ao saber que os proprietários imobiliários não detêm poupanças e que os deficit imperam nos principais Países do planeta (que, portanto, não podem substituir a China nas compras), sobram só duas possíveis soluções:

  • Tim Geithner multiplica as vendas dos títulos tal como Jesus multiplicou o pão e os peixes;
  • Ben Bernanke, e a Fed, diz a primeira cosa da qual se lembra e compra os títulos por meio dos canais principais e de outros partner financeiros por vias “escondidas” (offshore) como as Ilhas Caymans, Hong Kong, etc.

Europe2020 aposta na segunda opção.

Por esta razão ficamos à espera duma subida da tensão entre Washington e Pequim ao longo dos próximos meses, e isso era mesmo o que os EE.UU. não desejavam, sendo muito preocupados pelo crescente risco de perda de valor dos próprios investimentos em dólares.
Ao somar isso, a venda de armas a Taiwan, o encontro com o Dalai Lama e o Irão, achamos que a segunda metade de 2010 será favorável para começar a “fazer as contas” entre Washington e Pequim, com consequente piorar da crise.
Japão
No que diz respeito ao Japão, a situação geopolitica deste País será decidida pelos eventos: uma crescente aproximação entre Tokyo e Pequim levará ao rápido enfraquecer do dólar e dos títulos em dólares.
As áreas de discordância com Washington aumentam: além do problema das bases militares no Japão, a discussão acerca dos tratados secretos que ligaram o Japão à América ao longo da Guerra Fria está prestes a ver a luz.
Na arena comercial, Tokyo acusa Washington de utilizar os problemas da Toyota para espalhar dúvidas à volta de todos os produtos japoneses. Mas além dos relacionamentos com os EE.UU., o Japão está para encarar uma altura muito difícil do ponto de vista económico e financeiro, pois muitas são as dúvidas internas acerca do modelo económico dos últimos vinte anos e, ao mesmo tempo, tem que enfrentar as dificuldades inerentes ao próprio financiamento da enorme dívida pública: até Tokyo terá que lutar para financiar o próprio deficit, um problema inédito para o Japão.
Resumindo: EE.UU., Eurozona, Reino Unido e China podem ver os próprios sonhos de crescimento reduzir-se até o zero na segunda metade de 2010.

2. O impacto fatal do sistema bancário ocidental entre as falhas de pagamento e o muro das dívidas em maturação

O que foi dito acerca dos Estados é igualmente verdadeiro para os bancos, os quais este ano terão que enfrentar um verdadeiro “muro de dívidas” em direcção ao qual viajam a toda velocidade.

Ou, para ser mais precisos, é o muro de dívidas que corre na direcção dos bancos com estilo tsunami.
Tal como a força explosiva dos mútuos subprime no interior do sistema financeiro americano era previsível no começo de 2006 (GEAB nº 2), a força do tsunami das dívidas pode ser totalmente antecipada: se conhecemos o montante em dívida, ou o facto dos devedores não estarem em condições para pagar, não é preciso ser profetas para conhecer o futuro.

Nos EE.UU., tal como na Europa, o sector imobiliário comercial terá um papel importante nas ulteriores perdas dos bancos.

Nos EE.UU, em média, este perdeu 43% do valor se comparado com os picos atingidos em 2007/2008.
É suficiente observar que o montante total dos mútuos para os imóveis comerciais declarado em Outubro de 2008, na altura em que explodiu a crise de Wall Street, somava 3,5 trilhões de dólares, enquanto os mútuos subprime (cujo colapso tinha começado 18 meses antes) somavam “só” 1,5 trilhões de dólares…
Nesta altura estamos a entrar num período análogo, antecipado por 18 meses de queda dos preços dos imóveis comerciais americanos, tendo todavia em conta que a maior concentração de refinanciamentos é prevista para o 2011/2013.
As condições económicas deveras difíceis que o mercado dos EE.UU. enfrenta irão amplificar os efeitos desta “bomba relógio”: a crise faz correr mais depressa o timer e muitos bancos de dimensão média perceberão isso antes do final do ano.

Na Europa os principais mercados imobiliários comerciais terão o mesmo destino, sabendo que o número das propriedades não vendidas aumentou, muito por causa dos projectos imobiliários começados antes da explosão da crise.

Como analisado nos recentes números do GEAB, os portfolios dos bancos europeus neste sector serão invendáveis ao longo de muitos anos, a não ser que os preços desçam mais da metade.
Em 2010, provavelmente, será possível concluir óptimos negócios pois os bancos serão obrigados a diminuir as pretensões.
Nos EE.UU., em particular, as propriedades imobiliárias continuarão a deprimir os resultados dos bancos, como já aconteceu nos últimos 3 anos, mas de forma mais rápida pois o imenso portfolio fantasma de propriedades não vendidas dos bancos americanos não poderá permanecer ocultado ao longo de muito tempo ainda; estas propriedades, muitas vezes mal construídas, estão a deteriorar-se de forma rápida.
Doutro lado, devido ao desemprego, milhões de devedores antes considerados “seguros” estão agora a ficar não solvíveis ou até devolvem as próprias casas: quase um terço dos imóveis adquiridos com um mútuo tem agora um valor inferior ao preço de aquisição e um cada vez maior número de donos devolvem as chaves ao banco e move-se para casa alugadas.
Ao mesmo tempo, o default dos pagamentos para o crédito ao consumo está em crescimento, numa altura em que as regras bancarias decididas pelos leader políticos e pela opinião pública tendem a diminuir os lucros das instituições bancarias. 
Este fenómeno envolve a Europa, o Japão e a maioria dos bancos internacionais.

Se dum lado temos que esperar a falência de 500 bancos norte-americanos nos próximos 18 meses (e com dimensões superiores aos 140 bancos já desaparecidos em 2009), é verosímil que a politica de desactivação das medidas de emergências por parte da Fed e do Tesouro US não irá abrandar uma outra vaga de bancarrotas entre os grandes nomes de Wall Street.

Mas é nossa opinião que a impossibilidade da Fed e do Tesouro em prefigurar as consequências deste processo, junto à subestimação da natureza sistémica da crise (isso é, da actual fraqueza estrutural do sistema financeiro e económico mundial) e a total impopularidade de qualquer outra ajuda para Wall Street (em particular num ano de eleições) criará. ainda uma vez, uma situação em que é provável a bancarrota de grandes bancos.
3. A inevitável subida das taxas de juro
Quanto irá custar pedir dinheiro emprestado num altura de grande competição para  o crédito?
Nos últimos 18 meses os banqueiros centrais responderam “a crise é um problema de liquidez, por isso o dinheiro não pode custar e, de facto, não custa nada”…e tudo irá continuar como dantes.
Todavia, nos últimos 18 meses, a retoma não apareceu, os bancos continuam com pouca vontade em emprestar dinheiro, o desemprego sobe…e isso apesar dum fluxo de liquidez com custo zero de que não há memória.
Os Estados começaram a faltar aos pagamentos, as entradas fiscais estão em queda, as politicas de austeridade aparecem e um conjunto de bancos centrais começam a preocupar-se da inflação…e acabam por aumentar as taxas de juro, tal como na Austrália, na Noruega ou, no caso sueco, ao anunciar uma subida no Verão de 2010…ou utilizam outros instrumentos como Pequim.
A Fed, como os bancos ingleses, japoneses e europeus continua a dizer que ainda há muita estrada antes de poder subir as taxas de juro.

Mas existe verdadeiramente escolha?

Europe2020 escreveu, há dois anos, que a Fed perdeu o controle das taxas de juro. Permanecemos na mesma ideia e desejamos acrescentar que a Fed sofrerá o impacto de dois desenvolvimentos entre agora e a metade de 2010:
  • o que decidem fazer os bancos chineses e europeus
  • enfrentar o problema da não solvência doméstica dos EE.UU. e internacional
Se Pequim, para evitar uma explosão inflativa da bolha especulativa criada pela política de dinheiro de baixo custo nos últimos 18 meses é obrigada a manter o aperto monetário (coisa que o nosso team acredita), todas as economias asiáticas, Japão incluído, serão obrigadas a seguir o andamento chegando a ser, assim, o destino favorito da liquidez mundial.
Eurozona, que não irá aceitar tal redução “forçada” do custo do dinheiro, irá seguir os passos asiáticos.
A única solução para os EE.UU., para evitar a bancarrota internacional numa altura em que tem que continuar a atrair os capitais para financiar a própria dívida, será obrigada a continuar o jogo mesmo contra a própria vontade. Desta maneira descobrirá de não poder contar com  a habilidade de controlar o desenvolvimento mundial.
Num ambiente económico caracterizado pelo elevado número de empresas mantidas em vida graças ao crédito fácil, esta subida das taxas de juro levará à queda da zombie economy, uma queda fatal de cerca de 30% da economia mundial.
Acaba assim a segunda parte do GEAB nº42. A terceira parte no próximo post.

Ipe dixit.

Texto de Informazione Scorretta, Felice Capretta,
e Massimo De Maria
Tradução Massimo De Maria

One Reply to “GEAB 42 – Parte II: Três tendências fundamentais que irão piorar a crise na segunda metade de 2010”

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